As recorrentes determinações judiciais para o bloqueio do WhatsApp no Brasil acabam “fragilizando” a segurança das comunicações e a privacidade dos usuários de aplicativos de mensagens no país. A opinião é do advogado Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio.

“Entender que essas tecnologias [criptografia nas mensagens]não existem para proteger criminosos, mas sim para fortalecer a privacidade de todos, é um dos maiores desafios que temos pela frente”, afirma Souza.

Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio.

Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio.

Investigações x direito dos usuários

O último bloqueio do aplicativo no Brasil ocorreu no dia 19 de julho, pela juíza Daniela Barbosa de Souza, da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.

A juíza Daniela Barbosa de Souza, da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.

A juíza Daniela Barbosa de Souza, da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.

Isso aconteceu em dezembro de 2015, com suspensão do serviço de mensagens por 24 horas, em 2 de maio de 2016, com suspensão do serviço por 72 horas e, agora, em 19 de julho de 2016 – o serviço começou a ser suspenso durante a tarde.

O roteiro é o mesmo: um magistrado pede acesso a mensagens particulares de suspeitos de algum crime. O WhatsApp se recusa a ceder o conteúdo e acaba bloqueado por desrespeito à decisão judicial, com impacto nos 100 milhões de usuários do serviço.

Houve um caso que foi além do bloqueio. Em março de 2016, o vice-presidente de operações do Facebook na América Latina, Diego Dzodan, foi preso pelo fato de a empresa descumprir as sucessivas ordens judiciais, também sobre quebra do sigilo de mensagens. O Facebook é dono do WhatsApp.

Em março de 2016, o vice-presidente de operações do Facebook na América Latina, Diego Dzodan, foi preso pelo fato de a empresa descumprir as sucessivas ordens judiciais, também sobre quebra do sigilo de mensagens.

Em março de 2016, o vice-presidente de operações do Facebook na América Latina, Diego Dzodan, foi preso pelo fato de a empresa descumprir as sucessivas ordens judiciais, também sobre quebra do sigilo de mensagens.

Todas as decisões foram posteriormente derrubadas após recursos a outras instâncias judiciais. Nesta última, o bloqueio foi derrubado pelo próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, no início da noite.

Mecanismos de segurança a e irritação da juíza

Em abril de 2016, o WhatsApp adotou em seu aplicativo de mensagens a criptografia ponta a ponta, na qual apenas as pessoas na conversa podem ler as mensagens. A empresa diz que nem mesmo ela tem a chave para acessar as mensagens, o que torna impossível que cumpra decisões judiciais para revelar conteúdo de textos de suspeitos de algum crime.

 O WhatsApp adotou a criptografia ponta a ponta, na qual apenas as pessoas na conversa podem ler as mensagens.

O WhatsApp adotou a criptografia ponta a ponta, na qual apenas as pessoas na conversa podem ler as mensagens.

Diferentemente das outras vezes, nas quais investigadores exigiam acesso a conversas já realizadas pelo WhatsApp, nesta, a juíza pediu que a criptografia seja desabilitada para que o fluxo de mensagens seja enviado em tempo real para os investigadores, tal qual uma ligação interceptada.

A juíza disse ter enviado um ofício à empresa pedindo a quebra de sigilo, recebendo de volta um e-mail escrito em inglês, perguntando quem é o órgão investigador e qual a natureza do crime investigado – o que irritou a juíza.

“Ora, a empresa alega, sempre, que não cumpre a ordem judicial por impossibilidades técnicas, no entanto quer ter acesso aos autos e à decisão judicial, tomando ciência dos supostos crimes investigados, da pessoa dos indiciados e demais detalhes da investigação”, disse ela na decisão do bloqueio.

As consequências da decisão e o papel do Supremo

Para as determinações acontecem com base numa determinação equivocada do artigo 12 do Marco Civil da Internet, aprovado em abril de 2014.

 Desenvolvido de forma colaborativa desde 2007 e aprovado em 2014, Marco Civil da Internet espera decreto para resolver temas polêmicos.

Desenvolvido de forma colaborativa desde 2007 e aprovado em 2014, Marco Civil da Internet espera decreto para resolver temas polêmicos.

Esse artigo trata das punições dadas a empresas que desrespeitem a legislação brasileira e os direitos à privacidade. Segundo o advogado, o Supremo Tribunal Federal será determinante para resolver a questão dos recorrentes bloqueios. Mais do que uma decisão liminar como a de Lewandowski, a Corte precisa julgar a constitucionalidade da suspensão dos serviços para todos os usuários em razão de investigações criminais isoladas.

Confira a entrevista:

Carlos Affonso Souza: "Entender que essas tecnologias não existem para proteger criminosos, mas sim para fortalecer a privacidade de todos é um dos maiores desafios que temos pela frente."

Carlos Affonso Souza: “Entender que essas tecnologias não existem para proteger criminosos, mas sim para fortalecer a privacidade de todos é um dos maiores desafios que temos pela frente.”

Estamos sujeitos a bloqueios do WhatsApp o tempo todo?

CARLOS AFFONSO SOUZA: O bloqueio acontece mais uma vez utilizando uma tese jurídica já testada e derrotada em outros tribunais. Bloquear a aplicação para todos os seus usuários por conta de ilícitos que podem ter sido cometidos por um pequeno número de pessoas falha em superar o teste da proporcionalidade. Atinge-se assim um número muito maior de usuários que não estão relacionados com o caso em si.

Se estaremos sujeitos a isso diversas vezes depende da utilização de alguns mecanismos jurídicos que podem reduzir a aplicação desse entendimento pelo bloqueio de aplicações. Está em curso no Supremo Tribunal Federal uma ação que pode justamente viabilizar que o Supremo diga que o artigo 12 do Marco Civil da Internet, que vem sendo – no meu entender – equivocadamente utilizado para legitimar os bloqueios, não pode ser interpretado dessa forma.

Uma manifestação do STF que direcione a interpretação do dispositivo ou que diga que é inconstitucional o bloqueio irrestrito de aplicações seria um avanço para impedir a repetição de situações como essa.

Como equilibrar as demandas da Justiça e o direito do consumidor?

CARLOS AFFONSO SOUZA: As empresas de tecnologia e as autoridades investigativas precisam mesmo dialogar de forma a gerar mecanismos que possam viabilizar a produção das investigações sem comprometer a privacidade dos usuários de sites e aplicativos.

Todavia, parece que grande parte dessa discussão gira em torno da criação de exceções de segurança, desabilitação de criptografia e outras medidas que, em vez de aprimorarem a segurança das comunicações, acabam criando novas vulnerabilidades.

Quando as autoridades obrigam uma empresa de tecnologia a criar uma falha artificial na sua forma protegida de comunicação, ao invés de aumentar a segurança dos usuários, elas acabam fragilizando a segurança, já que essas falhas poderão ser abusadas. Criptografia nas comunicações parece ser uma tendência especialmente após os escândalos de espionagem e monitoramento em massa divulgados desde 2013. Entender que essas tecnologias não existem para proteger criminosos, mas sim para fortalecer a privacidade de todos é um dos maiores desafios que temos pela frente.

Qual o papel do Marco Civil da Internet nesse debate?

CARLOS AFFONSO SOUZA: O Marco Civil estabelece uma série de direitos e garantias relacionadas às liberdades na rede. Em vez de promover a censura e o bloqueio, o marco Civil da Internet estimula a liberdade de expressão, a neutralidade e a privacidade.

Em seu artigo 12, o Marco Civil da Internet trata do sancionamento a empresas que violem a lei brasileira sobre privacidade e proteção de dados. Em casos graves, chega a possibilitar a suspensão das atividades de coleta e tratamento de dados, mas em nenhum momento determina o bloqueio de sites ou aplicativos.

É o próprio Marco Civil que determina que o acesso à rede é fundamental para o exercício da cidadania e para o desenvolvimento da personalidade. Ele é um exemplo que inspirou outras declarações mundo afora e que deve ser interpretado pelos nossos tribunais de forma a privilegiar as liberdades que a rede propicia e o exercício dos direitos através da rede. Bloquear justamente uma das aplicações mais populares no país de forma flagrantemente desproporcional não está em conformidade com as regras do Marco Civil da Internet.

Com informações de: Nexo

Bloqueios do WhatsApp em debate na pós-graduação da Verbo Jurídico

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