Desembargadora rejeitou recurso apresentado pela Promotoria no caso da ‘rachadinha’; MP-RJ informou que vai recorrer
A desembargadora Elisabete Filizzola Assunção, terceira vice-presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidiu que o Ministério Público perdeu o prazo para tentar reverter a concessão de foro especial ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no processo conhecido como “rachadinha”. Na decisão, ela rejeitou recurso apresentado pela promotoria, para quem o cartório do TJ fluminense havia feito contagem equivocada dos prazos.
Segundo Elisabete , o MP-RJ apresentou a contestação de forma intempestiva, como se os prazos fossem contados em dias úteis, critério “absolutamente divergente do entendimento já consagrado no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça”.
O Ministério Público informou que recorrerá e ressaltou já ter entrado com uma reclamação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a concessão de foro especial ao senador. A reclamação está nas mãos do ministro Gilmar Mendes. No dia 25 de junho, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio concedeu foro especial ao primogênito do presidente Jair Bolsonaro.
Pela decisão, o processo que investiga a prática de “rachadinha” no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio saiu das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, e passou para o Órgão Especial do TJ, colegiado formados por 25 desembargadores.
O Ministério Público entrou com recurso em 20 de julho. Segundo a desembargadora do TJ-RJ, o prazo havia terminado no dia 17.
Com isso, os argumentos do MP-RJ para reverter o foro especial concedido a Flávio e para que a decisão seja submetida ao STF (Supremo Tribunal Federal) nem serão apreciados por perda de prazo.
Uma certidão de intempestividade chegou a ser emitida manualmente por um servidor do cartório do tribunal, mas a Promotoria pediu revisão, alegando falha de contagem do órgão, que não teria levado em conta os dias úteis.
O Ministério Público afirmou ter cumprido o prazo legal, levando em conta a regra de dias úteis vigente no Código Civil. Mas prevaleceu a regra prevista no Código Penal. Professor de processo penal, o criminalista Alberto Zacharias Toron afirma que o Ministério Público pode tentar reverter a situação no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Segundo ele, cabe contra a decisão um agravo em recurso especial cujo prazo é de cinco
dias corridos.
Na opinião de Toron, os promotores realmente perderam o prazo para apresentação de recurso ao TJ, já que é jurisprudência pacífica nos tribunais superiores a contagem em dias corridos definida no Código de Processo Penal.
O juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, é quem havia autorizado a quebra do sigilo fiscal e bancário de Flávio Bolsonaro e a prisão de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, detido no dia 18 de junho. Assinado pela advogada Luciana Pires, o pedido que deu foro especial ao senador
questionou a competência da primeira instância para julgar o caso. A advogada argumentou que Flávio era deputado estadual na época dos fatos e que, portanto, teria foro especial.
Flávio exerceu o cargo de deputado estadual até janeiro de 2019, quando assumiu mandato no Senado. O entendimento dos desembargadores foi de que não houve interrupção e que o filho do presidente Jair Bolsonaro nunca deixou de ser parlamentar, o que garantiria a ele o direito de ser julgado pelo Órgão Especial.
A decisão foi na contramão da jurisprudência do STF, que entende que o foro se encerra ao fim do mandato. No recurso apresentado no dia 20 de julho, o Ministério Público alegou que “a corte estadual sequer poderia discutir os limites ou restrições do foro”, porque Flávio não é mais
deputado estadual e o STF já se manifestou contrariamente à manutenção de foro especial a ex-ocupantes do cargo.
“Por outro lado, vê-se que a decisão produziu reflexos na ordem pública, em virtude da comoção social gerada, na medida em que, em um caso individual foi prolatada decisão em contrariedade ao entendimento pacífico de nossas cortes”, disse. Flávio é investigado desde janeiro de 2018 sob suspeita de recolher parte do salário de seus empregados na Assembleia Legislativa do Rio de 2007 a 2018. Os crimes em apuração são peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.
Segundo o Ministério Público, 11 assessores vinculados a Flávio Bolsonaro repassaram pelo menos R$ 2 milhões a Queiroz, sendo a maior parte por meio de depósitos em espécie. O ex-assessor é apontado como o operador do esquema.
A Promotoria diz acreditar que o senador lavou o dinheiro da “rachadinha” por meio de transações de compra e venda de imóveis e da franquia da loja Kopenhagen da qual é sócio. Flávio nega qualquer irregularidade.
Fonte: Folha