Depois de ataques virtuais a grandes empresas como Americanas, Fleury e Renner, a demanda por profissionais especializados em segurança digital cresceu. Dados da consultoria Roland Berger divulgados ao Estadão apontam que o Brasil é o 4° país com mais tentativas de ataques de ransomware — era o 9° em 2020. Com o aumento da demanda, os salários aumentaram, bem como a quantidade de cursos de especialização. Só na América Latina, há um déficit de 600 mil profissionais na área.
Tiago Martins, 39, já trabalhava havia 15 anos em suporte de tecnologia quando buscou uma mudança de carreira e fez uma especialização em cibersegurança. “Quando escolhi fazer o curso, vi que existiam muitas oportunidades na área”, diz. Martins atua hoje como analista de computação em nuvem e cibersegurança na Anheuser-Busch InBev e como instrutor do curso de cibersegurança do Instituto de Gestão e Tecnologia da Informação (IGTI), onde fez o curso que mudou a sua carreira.
O caso de Martins tem se tornado mais comum entre os profissionais de tecnologia. Nos últimos meses, empresas como Americanas, CVC e Fleury, entre muitas outras, foram alvos de ataques cibernéticos que prejudicaram, em alguma medida, as suas operações comerciais. “Não ter profissionais de segurança virtual acaba saindo mais caro para a empresa. Antes, não se dava a devida atenção a isso. Hoje, o mercado viu que ser vítima de um ataque cibernético é inevitável”, diz Martins.
Segundo dados da consultoria Accenture, os registros de ataques virtuais saltaram 125% no primeiro semestre de 2021 em relação ao mesmo período em 2020. Estudo exclusivo da consultoria alemã Roland Berger ao Estadão mostra que a cada um segundo uma empresa brasileira recebe uma tentativa de ataque hacker e que o Brasil já está no 4.º lugar entre os países com mais tentativas de ataques de ransomwares (em 2020, ocupava a 9.ª posição).
Com a explosão na demanda, disparou também a remuneração. Segundo a empresa de recrutamento Revelo, o salário-base na área de TI, que já havia aumentado 10% de 2019 para 2020, passou de R$ 6.020,41 em setembro de 2020 e para R$ 9.364,21 em fevereiro de 2021, um salto de 55%, registrado em capitais como Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP). Picos de salários de profissionais de segurança da informação podem chegar a R$ 26 mil, conforme informações da plataforma de empregos Glassdoor.
Também em 2020, a consultoria Intelligence Service Center apontou que o mundo inteiro contava apenas com 2,8 milhões de especialistas em cibersegurança, mas o déficit global chegava a 4 milhões. Só na América Latina, a escassez era de 600 mil profissionais.
Cargos ligados à cibersegurança figuraram entre as cinco profissões em alta no ranking do LinkedIn nos últimos três anos. A falta de profissionais de segurança digital está alinhada com o cenário macro do mercado de TI. Até 2025, faltarão 532 mil profissionais de tecnologia para as 797 mil vagas que serão criadas em empresas brasileiras, de acordo com projeção da Associação Brasileira de Tecnologia da Informação, Comunicação e Tecnologias Digitais (Brasscom).
CURSOS
Para suprir a demanda de profissionais, uma das soluções encontradas é a oferta de cursos de curta duração. O IGTI já formou mais de 3 mil alunos no curso de cibersegurança no formato chamado bootcamp, que tem duração de 10 semanas. “Os bootcamps são cursos com muita aplicação prática. Os alunos aprendem tanto a atacar quanto a se defender de um ataque cibernético porque, em alguns casos, um ataque é a melhor defesa”, afirma Maximiliano Jacomo, coordenador do bootcamp e do curso de MBA em cibersegurança do IGTI.
De olho na escassez de profissionais especializados, a escola espanhola de cursos de tecnologia Ironhack também criou uma especialização em cibersegurança, que terá sua primeira turma no Brasil neste ano. “Muitas empresas reclamam que não encontram talentos, mas querem pessoas com determinadas experiências profissionais. Com o déficit que temos, é preciso olhar para quem muda de carreira ou tem menos experiência. O bootcamp pode ser bom mesmo para quem pensa em fazer um curso superior em TI depois, porque o estudo começa pelo que será feito no dia a dia, e o aluno não terá um problema com o conteúdo do nível superior, que pode parecer abstrato”, diz Ariel Quinones, cofundador da Ironhack.
SEGURANÇA EM ALTA
No mundo todo, o mercado de segurança digital teve faturamento de US$124 bilhões em 2021, e deve atingir US$170.4 bilhões em 2022, um salto de 37%, segundo a consultoria americana Gartner. Uma pesquisa da consultoria PwC mostra que 83% dos líderes de empresas no País pretendem aumentar seus gastos com cibersegurança em 2022.
Para Eduardo Batista, sócio e líder de cibersegurança na PwC, as empresas estão mais atentas à área de segurança, não só por causa das penalidades impostas por leis de proteção de dados virtuais no Brasil e na Europa, mas também por causa da tendência ESG (governança ambiental, social e corporativa). Mais do que isso, no entanto, diversas companhias estão analisando os riscos de que a falta de um robusto sistema de segurança pode causar, como a total paralisação dos negócios. “São os profissionais de segurança da informação que evitam a interrupção das operações, o que ofereceria alto grau de risco para os negócios”, diz.