Ao contrário do recurso ordinário em tema criminal e do Habeas Corpus, um instituto criado para garantir a liberdade e que, portanto, deve ser julgado da forma mais célere possível, beneficiando-se o réu em caso de empate, na ação penal é preciso priorizar a obtenção do voto de desempate.
Com base nesse raciocínio, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, negou uma questão de ordem apresentada por Gilmar Mendes que pedia a aplicação do princípio do in dubio pro reo no julgamento da primeira ação penal pelo Plenário da Corte em sete anos.
No fim de setembro, o STF condenou o ex-deputado André Moura a 8 anos e 3 meses de prisão. Moura foi condenado por 6 votos a 4 em duas ações. Em um terceiro processo, a votação ficou empatada em 5 a 5, e Fux decidiu que este último caso seria suspenso e retomado apenas quando fosse nomeado o novo ministro da Corte.
O STF está com dez ministros, um integrante a menos em sua composição desde a aposentadoria de Marco Aurélio, no último dia 12 de julho. O indicado do presidente Jair Bolsonaro, o ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça André Mendonça, só será sabatinado nesta quarta-feira (1º/12).
A defesa de André Moura, comandada pelo escritório Almeida Castro, Castro e Turbay Advogados, questionou a decisão de suspender o processo até que seja empossado o futuro 11º ministro. Os advogados sustentaram que, desde o julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, o STF entende que, em caso de empate, deve-se absolver o acusado.
Gilmar encaminhou os questionamentos da defesa para a presidência. Segundo ele, os precedentes do Supremo nas APs 470 e 565 “apontam para a proclamação do resultado mais favorável à defesa do denunciado em casos de empate no julgamento colegiado, a partir da compreensão estruturante do princípio da presunção de inocência (artigo 5º, LVII, da Constituição) sobre as categorias básicas do processo penal”.
Fux, no entanto, afirmou que não é possível aplicar um princípio que vale para o Habeas Corpus e para o recurso ordinário criminal a qualquer julgamento. “A aplicação de normas por analogia exige que haja semelhança entre o caso não previsto na lei e aqueles disciplinados pela norma jurídica que se pretende aplicar para solucionar a controvérsia”, sustentou.
Para ele, o in dubio pro reo é de aplicação “excepcionalíssima”, e não pode ser estendido para além dos institutos que já o preveem, exceto em casos da mesma natureza. “A previsão expressa e específica de ‘Habeas Corpus’ e ‘recursos em matéria criminal’ não admite extensão a casos de distinta natureza”, completou.
Fux invocou previsões legais para sustentar seu ponto de vista. No artigo 146 do Regimento Interno do STF, citado por ele, a previsão é de que, na ausência ou falta de um ministro em Plenário, a questão deve ser julgada proclamando-se solução contrária à pretendida. No caso de HCs, prevalece a decisão mais favorável ao réu.
O artigo 150, que trata das sessões das turmas, prevê que a sessão será adiada para que seja tomado o voto do ministro ausente em caso de empate.
No caso do mandado de segurança, conforme o artigo 205, se o empate foi causado por licença de ministro não superior a três meses, é preciso aguardar o seu voto; se não, prevalece o ato impugnado.
Já o CPP, em seu artigo 615, que trata de recursos em sentido estrito, define que, se o presidente não tiver votado, ele deve dar o voto de Minerva; caso contrário, prevalece decisão mais favorável ao réu, previsão idêntica à do artigo 664, que trata especificamente de Habeas Corpus.
Dosimetria consolidada
Outra questão levantada pela defesa de André Moura foi quanto à possibilidade de os ministros que votaram pela absolvição do réu também se pronunciarem sobre a dosimetria da pena.
O problema foi trazido ao Plenário pelo ministro Ricardo Lewandowsi na sessão seguinte à do julgamento. Para ele, “essa é uma questão extremamente importante tendo em conta que estamos diante de fatos que ocorreram há cerca de dez anos, em que possivelmente a pena em abstrato talvez já tenha prescrito, e, eventualmente, a pena em concreto possa ter superado esse instituto que é um direito fundamental do réu”.” E lembro que durante o julgamento da AP 470 [mensalão] a questão da dosimetria foi fundamental, os que perderam no mérito puderam votar na dosimetria.”
Já a defesa do ex-parlamentar apontou que a votação sobre a dosimetria é distinta da de procedência ou não da imputação penal. Reforçando o pedido na questão de ordem, Gilmar ressaltou que a ausência dessas decisões pode gerar “deficiências deliberativas, novas situações de empates insuperáveis e o cerceamento do direito dos réus à interposição de recursos já reconhecidos pela jurisprudência do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal”.
Fux, no entanto, novamente discordou dos argumentos, dessa vez afirmando que é “manifestamente incabível” a interposição de questão de ordem contra decisão de Plenário do Supremo. “O resultado das APs 973 e 974 foi proclamado na própria sessão de julgamento em que foram estabelecidas as penas, gerando a preclusão relativa das matérias decididas”, disse o presidente.
Ele destacou que, segundo o Código de Processo Penal, é preciso que a alegada nulidade seja suscitada durante a sessão, logo após sua suposta ocorrência. Caso contrário, a nulidade “considerar-se-á sanada, nos termos do disposto no artigo 571, VIII, do CPP”.
Além disso, prosseguiu, a jurisprudência da Corte não “acolhe a pretensão de que os votos de improcedência da acusação contenham, em sua parte dispositiva, a um só tempo, (a) a absolvição do réu e, em seguida, (b) a fixação de pena pela prática dos fatos criminosos”.
“Embora ponderáveis as razões do ministro Gilmar Mendes, no despacho que encaminhou a presente Questão de Ordem, apontando dificuldades sistêmicas plausíveis, o presente caso não corrobora suas preocupações, porquanto todos os votos condenatórios convergiram para a fixação da mesma dosimetria”, argumentou Fux.
“Dificuldades como as apontadas por Sua Excelência devem ser tratadas se e quando surgirem, não se revelando pertinente à Corte tecer elucubrações sem substrato fático que oriente e fundamente suas razões de decidir.”
Assim, a questão de ordem não será debatida em Plenário, e fica assentado que a impugnação do resultado pela via escolhida é incabível; a reabertura da fase da dosimetria é rejeitada; como também é rejeitado o pedido de absolvição do réu em caso de empate em ação penal.
Clique aqui para ler a decisão de Fux
AP 969
AP 973
AP 974