“Bom dia, você está demitida”. Foi com essa mensagem de texto que uma empregada doméstica foi dispensada, em 2016. A mulher levou o caso à Justiça e, no último ano, o Tribunal Superior do Trabalho confirmou a necessidade de indenizá-la em R$ 5 mil. O caso levanta uma discussão sobre a possibilidade de dispensa pelo WhatsApp.

Apesar desse caso no TST, especialistas indicam que a prática é permitida, mas exige cautela. Isso porque a decisão do tribunal trabalhista de cúpula não chegou a mencionar entendimento sobre a legalidade do uso do WhatsApp para a dispensa. O caso da empregada doméstica, assim, não é um precedente tão adequado. “A decisão levou em consideração várias outras situações ocorridas no momento da demissão para elaborar a condenação; então, ainda é um caso isolado”, diz o advogado André Dias Andrade, do escritório Dias Andrade & Advogados Associados.

Na ocasião, o TST sequer avaliou o conteúdo da mensagem de dispensa. “Para que se pudesse concluir nesta Corte Superior se foi ofensivo ou não o conteúdo da mensagem da dispensa, precisaríamos saber do contexto da mensagem, e não apenas do texto”, disse a ministra Kátia Arruda, relatora do recurso.

O que diz a lei
O uso do WhatsApp não é efetivamente regulamentado pela CLT. “Nós não temos uma lei que diga se há possibilidade ou não, seja no ato da dispensa, seja no ato da contratação”, explica Ricardo Calcini, professor de Direito do Trabalho da pós-graduação da FMU e colunista da ConJur.

“Não existe nenhum dispositivo legal que impeça o empregador de dispensar o seu empregado pelo WhatsApp ou por qualquer outro tipo de aplicativo de mensagens”, diz Matheus Gonçalves Amorim, sócio do escritório SGMP Advogados. 

Rodrigo Marques, coordenador do núcleo trabalhista do Nelson Wilians Advogados, vai além: “Poderá ser considerada válida a rescisão contratual realizada via WhatsApp, seja através de vídeo, ligação ou mensagem de texto”.

Calcini destaca que, de fato, o WhatsApp é comumente utilizado dentro das relações trabalhistas de uma forma geral, em situações como contratação de funcionários, comunicação de afastamento ou recebimento de atestados. Tudo isso, segundo ele, “está dentro do poder geral de direção que compete ao empregador”.

O consenso entre juristas da área trabalhista é que a atenção deve ser voltada mais à forma como se dá a dispensa do que ao suporte adotado. “O conteúdo da mensagem de dispensa e seu contexto é mais importante que o meio utilizado”, aponta Amorim. Isso significa que o empregador deve “minimizar o impacto e evitar constrangimento ao empregado”, o que evita ações indenizatórias.

Conduta reverente
Marques sugere que a rescisão por WhatsApp aconteça da forma mais cordial possível, sem quaisquer desrespeitos ou assédio ao profissional, pois representa uma ocasião de possível fragilidade emocional do trabalhador.

“A dispensa é considerada um momento de imposição de sofrimento e, portanto, deve envolver cuidado e respeito”, indica o advogado André Dias Andrade. “Toda atitude que for tomada pelo empregador com o intuito de amenizar esse sofrimento, ou seja, a cortesia, a consideração, o respeito, sempre será interpretada como uma forma de aplicação do princípio constitucional da dignidade humana”. Para ele, caso o empregado dispensado ainda assim se sinta lesado, deve procurar a Justiça.

“O ato em si [de dispensar por WhatsApp], formalmente, não é ilegal. Mas ele pode ser considerado eventualmente um ato ilícito, em razão do excesso, do abuso do direito do empregador em efetivamente praticar essa dispensa sem que haja um mínimo de respeito à dignidade do trabalhador”, enfatiza Calcini. Segundo ele, é necessário levar em conta fatores como o tempo de existência do contrato de trabalho e o histórico da relação pessoal entre trabalhador e empregado.

Apesar de não haver obstáculos à mensagem de texto, a advogada trabalhista Mariana Machado Pedroso, sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, recomenda, em caso de necessidade de uso de ferramentas como o WhatsApp, que seja feita uma chamada de vídeo: “A lei não determina como deve ser feito esse procedimento; no entanto, as videochamadas para esta comunicação demonstram respeito pelo profissional e pela história construída durante a relação de emprego”.

Histórico no Judiciário
Além da decisão do TST, há ao menos um caso a respeito no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Porém, tampouco houve manifestação sobre o meio utilizado: “Não se questiona a privacidade ou a segurança do meio de comunicação utilizado, mas o modo como o empregador comunicou a cessação do vínculo de emprego à trabalhadora”, diz o acórdão do qual o patrão recorreu ao TST.

Já o TRT-12, em outro caso, de fato decidiu que o WhatsApp pode ser usado para o ato de dispensa. Também no último ano, a desembargadora-relatora Rilma Aparecida Hemetério assinalou que as mensagens trocadas pelo aplicativo são amplamente aceitas como meio de prova nos tribunais. “Por isso, também é claro que pode ser prova de toda comunicação entre empregado e patrão, sendo hábil à demonstração de que tanto o empregado como o empregador não desejam mais dar continuidade ao vínculo de emprego”, completou. O processo em questão transitou em julgado após o TST negar seguimento a um recurso.

Já em 2018, o TRT-10 manteve uma sentença da 19ª Vara do Trabalho de Brasília que estipulou indenização de R$ 10 mil a uma trabalhadora dispensada por WhatsApp. Também nesse caso, o problema constatado foi a forma como o sócio da empresa efetuou o procedimento, sem o respeito necessário. “Nenhum empregador é obrigado a permanecer com um empregado, mas para proceder à rescisão contratual deve agir de forma urbana e civilizada”, destacou a juíza Maria Socorro de Souza Lobo na decisão de 2017.

FONTE: Conjur

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