O juiz Rodrigo de Azevedo Costa, que disse “não estar nem aí para a Lei Maria da Penha” durante uma audiência em uma Vara da Família da capital, foi punido nesta quarta-feira (17/8) pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo com a pena de remoção compulsória. 

O relator sorteado, desembargador Xavier de Aquino, foi o único a votar pela pena de disponibilidade. Prevaleceu o entendimento do desembargador Costabile e Solimene, que acredita que o juiz poderá ser aproveitado em outra comarca: “A remoção compulsória é uma sanção pesada e é a única forma de verificar se ele está contaminado, se é alguém que acha que pode tudo, ou se foi um desajuste pontual.”

O juiz Rodrigo de Azevedo Costa ficou conhecido por ter desdenhado da Lei Maria da Penha em uma audiência. “Se tem lei Maria da Penha contra a mãe (sic), eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”, disse o juiz, em vídeo que viralizou em dezembro de 2020 após reportagem do portal UOL.

Com a repercussão do caso, Costa foi removido da Vara da Família e Sucessões e passou a ser investigado pela Corregedoria-Geral de Justiça. Vídeos de outras duas audiências em que o juiz apresentou conduta semelhante também foram divulgados na imprensa e incluídos no processo administrativo disciplinar, instaurado em abril de 2021. Na ocasião, Costa também foi afastado cautelarmente.

Tese da defesa

Em sustentação oral, o advogado Pedro Gilbert reconheceu a gravidade dos fatos, mas disse que, à época das três audiências, o magistrado estava com depressão e síndrome de Burnout. “Era um juiz doente, profissionalmente esgotado. Seria injusto punir um juiz doente, que teve um desvio de conduta decorrente de uma doença adquirida no exercício da magistratura”, disse. 

Gilbert destacou os 13 anos de magistratura de Costa, sendo nove em Vara da Família. Neste período, segundo o advogado, o magistrado teria conduzido mais de 5,7 mil audiências e “em apenas três houve um desvio de conduta”. “O juiz mostrou arrependimento sincero em seu interrogatório e disse que estava em estado de esgotamento absoluto.”

Voto do relator

O relator sorteado destacou a falta de cortesia, urbanidade, serenidade, respeito e paciência do juiz com partes e advogados, as reações agressivas e desproporcionais e o uso de linguagem chula e inadequada. Para Xavier de Aquino, a postura de Costa extrapolou, “em muito”, o que se espera de um juiz, que deve adotar conduta diferenciada.

Aquino citou algumas frases ditas pelo juiz nas três audiências, como “não estou nem aí para Maria da Penha”, “não sei se tem Maria da Penha, não quero saber e estou quase ficando com raiva de quem sabe”, “uma coisa que aprendi na vida de juiz é que ninguém agride ninguém de graça”, e “a senhora é nova e bonita, vai arrumar um namorado que vai ficar na sua casa e o trouxão (ex-marido) ainda pagando alimentos”.

“Em que pese o laudo psiquiátrico, outros elementos de convicção apontam que o magistrado gozava de plena compreensão acerca das violações por ele praticadas, não estando comprometida sua capacidade de autodeterminação. Entendimento contrário possibilitaria que toda violação de dever funcional fosse atribuída a esgotamento emocional”, disse Aquino ao optar pela pena de disponibilidade.

Remoção compulsória

Ao abrir a divergência pela remoção compulsória, o desembargador Costabile e Solimene reconheceu que a condução das audiências foi “absolutamente desastrosa”, mas disse acreditar que a convivência de Costa com bons juízes, em outra comarca, longe de Vara da Família, “pode transformá-lo em alguém melhor”.

“Ele ainda pode ser aproveitado, apesar de ter cometido erros graves. O juiz admite que errou e que precisa de ajuda profissional. O perito reconheceu que, naquele momento, ele não estava bem e havia sinais de necessidade de intervenção. Claro, não aceito isso como justificativa para os erros técnicos. Excesso de trabalho? Quem entra na magistratura e não sabe disso?”, questionou.

Para Solimene, não caberia pena de advertência ou censura, pois seria um “escárnio para o tribunal”. Mas ele também considerou exagerada a disponibilidade e, por isso, propôs a remoção compulsória: “Essa sanção dá uma resposta às pessoas que foram maltratadas por ele e ainda permite ao tribunal fazer um teste da atuação dele como juiz em outra Vara”. 

Desembargadores que acompanharam a divergência destacaram que Costa não tinha reclamações anteriores, à exceção das três audiências em questão. Corregedor à época dos fatos, o presidente do tribunal, desembargador Ricardo Anafe, afirmou que, durante as apurações, não foram identificados outros problemas na conduta do juiz. 

Inclusive, segundo Anafe, quando Costa foi removido para o Juizado Especial da Fazenda Pública (antes de ser afastado de forma cautelar em abril de 2021), não houve nenhuma nova reclamação. “O magistrado errou de cabo a rabo nessas três audiências. Mas o que se tinha é que ele era um bom juiz”, explicou o presidente. 

Já o corregedor-geral da Justiça, desembargador Fernando Torres Garcia,  não vislumbrou “absoluta incompatibilidade” do magistrado para o exercício da jurisdição: “Ele não tem sensibilidade para Vara da Família. Mas, desde que ingressou na magistratura, tem prestado bons serviços. Foi um deslize indesculpável, mas não para pena de disponibilidade”.

Fonte: Conjur

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