A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, anulou a condenação em segunda instância de Johann Homonnai pelo homicídio culposo do estudante Raul Aragão, morto em 2017 após ser atropelado enquanto trafegava de bicicleta próximo à Universidade de Brasília. O ciclista era integrante da ONG Rodas da Paz.
O colegiado considerou que a produção de um laudo pericial suplementar, por iniciativa da desembargadora relatora do caso no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), desrespeitou o sistema acusatório, causando prejuízo ao réu. Com a anulação, foi determinado o retorno dos autos à corte de segunda instância, para novo julgamento da apelação da defesa.
De acordo com os autos, o primeiro laudo indicou que o veículo conduzido por Homonnai estava a 95km/h no momento do acidente, mas não apontou a causa da colisão. O juiz condenou o réu a dois anos de detenção, sob o fundamento de que ele foi imprudente ao dirigir naquela velocidade em uma via cujo limite era de 60km/h.
O TJDFT confirmou a condenação com base no segundo laudo, que, diferentemente do primeiro, apontou que a causa determinante da colisão foi o excesso de velocidade desenvolvido pelo motorista.
Julgador não pode substituir a acusação
Ao STJ, a defesa alegou a nulidade do processo, em virtude da produção de prova pericial por iniciativa da desembargadora, e requereu a absolvição do réu.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, cujo voto prevaleceu no colegiado, concordou com o relator quanto ao não conhecimento do recurso da defesa, por questões processuais, mas concedeu habeas corpusAção, prevista constitucionalmente, cabível sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. de ofício, entendendo que a elaboração de laudo decisivo na segunda instância caracterizou constrangimento ilegal.
Segundo o magistrado, a desembargadora, sem motivar, formulou quesito suplementar aos peritos, perguntando se era possível que apontassem a causa determinante do acidente – o que deu origem ao laudo suplementar.
O ministro afirmou que, conforme o artigo 616 do Código de Processo Penal, o relator do processo tem legitimidade para requerer diligências, no entanto, “estas devem ser meramente supletivas, sem extrapolar o âmbito das provas já produzidas”, pois não cabe ao julgador substituir o órgão de acusação.
Prova essencial para a condenação
Reynaldo Soares da Fonseca apontou que o segundo laudo foi, na verdade, a “prova principal”, pois, em ação penalA ação penal é o direito ou o poder-dever de provocar o Poder Judiciário para que decida o conflito nascido com a prática de conduta definida em lei como crime para aplicação do direito penal objetivo a caso concreto. por crime de homicídio culposo no trânsito, a prova referente à causa determinante da colisão “não pode ser considerada mera prova supletiva”.
Na avaliação do magistrado, o laudo determinado pela desembargadora extrapolou as provas produzidas pelas partes durante a instrução do processo – o que, segundo ele, não é compatível com o sistema acusatório, no qual há uma clara divisão de atribuições entres os sujeitos responsáveis por acusação, defesa e julgamento.
“Ademais, constata-se o efetivo prejuízo gerado à defesa, uma vez que a condenação foi confirmada com fundamento na mencionada prova”, observou.
Com essas considerações, Reynaldo Soares da Fonseca declarou a nulidade do laudo complementar, bem como do acórdãoÉ a decisão do órgão colegiado de um tribunal. No caso do STJ pode ser das Turmas, Seções ou da Corte Especial nele fundamentado, determinando o retorno dos autos ao TJDFT para novo julgamento da apelação, sem o laudo considerado nulo.
Leia o acórdão no AREsp 1.877.128.
Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/04042022-Quinta-Turma-anula-condenacao-baseada-em-laudo-feito-por-iniciativa-de-desembargadora.aspx