A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) enviou neste sábado (13) ofício ao deputado Orlando Silva (PC do B-SP) propondo a criação de um sistema regulatório para supervisionar a aplicação das novas regulações de internet previstas no projeto de lei 2630, o PL das Fake News.

O órgão regulador é um dos pontos mais polêmicos do projeto relatado por Orlando. O deputado retirou do texto do PL a previsão de o Executivo criar uma entidade autônoma de supervisão diante das críticas da oposição, que viam perigo de interferência do governo e de o órgão atuar como censor.

Mas o deputado já admitiu ser impossível aplicar e fiscalizar a lei sem ter uma entidade independente responsável.

A proposta da comissão especial de Direito Digital do conselho federal da OAB, obtida pela Folha, prevê um sistema tripartite para implementar a lei.

Um conselho de políticas digitais (CPD) fiscalizaria o cumprimento da legislação por meio de análise dos relatórios de risco sistêmico e transparência publicados periodicamente pelas plataformas, nos quais as empresas irão detalhar como tentaram mitigar e agiram em relação a conteúdos ilegais. O CPD, a partir disso, poderia aplicar multas sobre as plataformas.

O conselho seria composto por membros indicados pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e representantes da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), da ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) e da OAB federal.

Uma entidade de autorregulação composta por representantes das próprias plataformas ficaria encarregada da moderação de conteúdo, ajudando a decidir que postagens potencialmente ferem a lei e devem ser removidas.

“Dessa maneira, o Estado não teria nenhum papel na decisão sobre conteúdos específicos das plataformas”, explica Laura Schertel Mendes, presidente da comissão especial de Direito Digital da OAB. “E o CPD não poderia punir as empresas por conteúdos específicos, faria uma análise do cumprimento geral das diretrizes da lei.”

O terceiro pilar do sistema tripartite de regulação das plataformas seria o CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), que faria estudos e publicaria diretrizes e recomendações para os códigos de conduta das plataformas.

“Sem a existência de um órgão, seria impossível aplicar a lei, que ficaria sujeita a discussões judiciais pontuais”, diz Mendes.

O relator afirma que vai consultar líderes para avaliar a incorporação da proposta no texto final. “A proposta da OAB é excelente. Ela acentua o pluralismo de visões e experiências e mitiga os riscos das influências de governo de turno em tema tão sensível”, diz Orlando.

Há um lobby da Anatel e do MDB para que a agência se transforme na entidade reguladora das plataformas e seja responsável pela aplicação da lei. Mas a sociedade civil se opõe, porque vê a Anatel como uma entidade capturada pelos interesses das grandes empresas de telecomunicação e sem competência para atuar na regulação de plataformas.

Para alguns parlamentares, também pesa contra a agência a imagem ruim que parte dos consumidores tem no que diz respeito à fiscalização dos serviços prestados pelas operadoras de telecomunicações. Para eles, se a Anatel não consegue nem cumprir o papel que tem atualmente, seria ainda mais difícil absorver novas atribuições.

“O sistema proposto pela OAB é uma solução que produz coordenação e mais harmonia entre agências e os Poderes, o que é muito necessário hoje em dia”, diz Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do Internet Lab. “É o caminho mais frutífero que já apareceu, porque dá a todo mundo um papel e trata o assunto como política de Estado, e não de um governo.”

Para Ricardo Campos, secretário-executivo da comissão da OAB, a proposta tem dois pontos positivos: “é uma opção à Anatel e introduz a autorregulação regulada, instituto já consagrado na Alemanha e Europa.”

No entanto, segundo Campos, “haveria uma curva de aprendizagem necessária para a formação de corpo técnico, aparato estrutural, que poderia ser evitada com a extensão de competências do órgão que regula a infraestrutura de telecomunicações”.

A proposta tem apoio de grande parte da sociedade civil e de especialistas em direito digital, e será analisada por Orlando Silva, relator da proposta.

O texto aborda as críticas de possível interferência excessiva do governo na aplicação da lei. “A implementação de um sistema verdadeiramente democrático de governança da esfera pública digital não deveria concentrar o poder decisório em um único ator. Ao contrário, é necessário abarcar representantes dos variados segmentos envolvidos (usuários, agências reguladoras, sociedade civil, academia, empresas e os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário), no âmbito de um sistema de freios e contrapesos”, diz o ofício.

O sistema de regulação prevê que o CPD também determinará quando deve ser acionado o chamado “protocolo de segurança” sobre as plataformas —período de 30 dias em que, diante da constatação de algum perigo iminente ou negligência da plataforma, ela passa a poder ser responsabilizada na Justiça, caso deixe de remover algum conteúdo ilegal sobre determinado tema depois de ser notificada.

A proposta afirma que a criação da CPD não implicará aumento de despesa, pois os cargos em comissão e as funções de confiança seriam remanejados de outros órgãos.

O conselho também poderia requerer, periodicamente, auditoria externa e independente dos provedores para avaliar o cumprimento do chamado “dever de cuidado” –a obrigação de prevenir e mitigar a disseminação de conteúdos ilegais gerados por terceiros.

Fonte: Folha de S. Paulo

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