Cabe aos provedores de aplicações de internet, independentemente de ordem judicial, observar direitos fundamentais, prevenir sua violação e reparar os danos causados por condutas de usuários não acobertadas pela liberdade de expressão, como nos casos de manifestações ilegais baseadas em fatos sabidamente inverídicos ou de conteúdo criminoso.

Esse é o entendimento do procurador-Geral da República, Augusto Aras, apresentado ao STF, nesta segunda-feira, 15, em dois REs, com repercussão geral, pautados para a sessão da Corte de quarta-feira, 17.

Os recursos tratam da responsabilização civil dos provedores de internet em relação aos conteúdos considerados ofensivos, publicados por usuários, e do dever dessas empresas de retirá-los do ar, sem a necessidade de ordem judicial.

A questão é regulamentada pelo artigo 19 do marco civil da internet (lei 12.965/14), o qual determina a necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilidade civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos causados por atos ilícitos praticados por terceiros.

No entanto, a constitucionalidade desse dispositivo está em debate no RE 1.037.396, representativo do Tema 987 da sistemática da repercussão geral. Para o procurador-Geral, essa análise deve ser feita a partir da matriz jurídico-constitucional atribuída à liberdade de expressão e ao direito à informação, sem perder de vista a necessidade de preservar tais valores pela perspectiva da dignidade humana e da tutela da privacidade e da honra.

Liberdade de expressão x direitos fundamentais

Segundo Aras, embora o artigo 19 da lei 12.965/14 enfatize a liberdade de expressão, a partir da orientação de que não cabe aos provedores de internet realizar indevida censura ou controle prévio de opiniões e pensamentos lícitos, deve haver exceção para essa diretriz nos casos de práticas ilícitas.

O PGR defende que, nessas situações, os gestores de aplicativos atuem com os devidos cuidado e diligência para evitar que as plataformas sirvam de espaço para a difusão de conteúdos violadores de direitos fundamentais.

Augusto Aras sustenta que o ato ilícito deve ser rapidamente desfeito, tendo em vista a extrema agilidade do tráfego de informação pela internet. Por esse motivo, argumenta que é desnecessário acionar o Judiciário em todo e qualquer caso, “como poderia dar a entender uma interpretação literal do artigo 19 da Lei 12.965/2014”.

Entretanto, o PGR destaca que essa permissão para os provedores deve limitar-se às práticas sem respaldo no legítimo exercício do direito à liberdade de expressão para observar os direitos fundamentais de cada usuário e de terceiro, além de sanar ilícitos pontuais, gerados por informações sabidamente equivocadas ou vexatórias, também produzidas pelos usuários da respectiva rede social.

Por outro lado, o procurador-Geral ressalta que não existe a obrigação do administrador das redes sociais de fiscalizar toda e qualquer informação que trafegue pelos perfis de seus usuários cadastrados. Segundo ele, essa iniciativa esbarraria no direito à liberdade de expressão e de opinião dos usuários, quando, por juízo próprio e sem provocação de qualquer interessado, o gestor de hospedagem excluísse dados ou censurasse manifestações legítimas dos perfis ou páginas.

Nesse sentido, Aras defende solução intermediária, que desobrigue os provedores do controle prévio e maciço das declarações legítimas, amparadas pela liberdade de expressão, mas que exija atuação conforme à devida diligência, com ferramentas de fácil acesso para a comunicação de abusos e que permitam atuação célere e eficaz para remover conteúdo sabidamente ofensivo, ilícito ou humilhante em relação a usuário ou a terceiro. Com esse entendimento, propõe a seguinte tese de repercussão geral para o Tema 987:

I) descabe ao provedor de hospedagem de perfis pessoais (redes sociais) controlar previamente o conteúdo dos dados que transitam em seus servidores; e

II) o provedor de aplicações de internet, independentemente de ordem judicial, há de atuar com a devida diligência a fim de observar os direitos fundamentais, prevenir sua violação e reparar danos decorrentes de condutas de usuários não acobertadas pela liberdade de expressão, a exemplo de manifestações ilegais desidentificadas, baseadas em fatos sabidamente inverídicos ou de conteúdo criminoso.

Fiscalização de conteúdo

Nesta segunda-feira, o procurador-Geral manifestou-se no RE 1.057.258, representativo do Tema 533 da sistemática da repercussão geral. O referido debate também trata da fiscalização de conteúdo pelos provedores de internet e discute o dever de empresa hospedeira de sítio na rede mundial de computadores fiscalizar o conteúdo publicado e retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem intervenção do Judiciário.

Como o recurso foi interposto antes da vigência do marco civil da internet, além dos pontos já apresentados para a tese de repercussão geral acerca da responsabilidade dos provedores de internet, na sugestão de tese para o Tema 533, Augusto Aras acrescenta o seguinte ponto:

“Em momento anterior à vigência da Lei 12.965/2014, as ofensas a usuário ou a terceiro, publicadas em perfis ou comunidades virtuais mantidos pelo provedor, hão de ser excluídas a pedido do ofendido e em tempo razoável, independentemente de específica ordem judicial.”

Fonte: Migalhas

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