André Mendonça é o novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) na vaga do ministro aposentado Marco Aurélio Mello. Sua indicação ao cargo foi aprovada por 47 votos a 32 durante votação no plenário do Senado na noite desta quarta-feira (1), 105 dias depois de ter sido indicado pelo presidente Jair Bolsonaro.
É a segunda vez que o Senado aprova uma escolha do atual mandatário. Antes de Mendonça, havia sido referendado em 2020 o ministro Nunes Marques, que substituiu Celso de Mello. O ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça percorreu um longo caminho de quase quatro meses para ter seu nome votado, devido à resistência do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, (CCJ) em pautar sua sabatina.
A aprovação do nome de Mendonça pode ser considerada uma vitória do presidente Jair Bolsonaro, embora o Palácio do Planalto, devido à demora do Senado de apreciar o nome do ex-ministro, tenha abandonado o candidato à própria sorte.
As dificuldades de Mendonça começaram quando Bolsonaro insistiu em ter alguém “terrivelmente evangélico” no cargo para atender parte de seu eleitorado, quando a escolha de um nome para a Corte jamais deveria estar condicionada ao seu credo religioso.
O que faltou ao governo, como ficou claro durante os 105 dias nos quais Mendonça percorreu sozinho os gabinetes de senadores em busca de aprovação, foi articulação política por parte do Palácio do Planalto. Na história recente da República, nenhuma indicação do presidente da República para o Supremo demorou tanto para ser examinada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado quanto a do advogado André Mendonça.
As razões para isso são várias, e vão desde a própria intenção do presidente Jair Bolsonaro de indicar um nome identificado com as pautas conservadoras com as quais se apresenta ao seu eleitorado até uma manifesta atuação estratégica do presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que relutava em pautar indicação de Mendonça. Todas elas, no entanto, têm um ponto em comum: são uma evidência da falta de articulação política do atual governo.
A resistência ao nome de Mendonça foi a mais visível aos olhos da multidão. Mas não foi incomum. No auge da popularidade, o então presidente Lula quis nomear seu ministro da Justiça, Tarso Genro, para o STF. Na ocasião, as antenas do Planalto plotaram uma resistência sólida ao nome do petista. Mais hábil que Bolsonaro, Lula simplesmente desistiu da indicação e poupou-se do desgaste.
Sabatina na CCJ
A primeira etapa para a indicação do ex-ministro André Mendonça para uma vaga no STF foi cumprida durante 5 horas. Antes da votação no plenário, por 18 votos a 9, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou seu nome para ser submetido a votação em Plenário. Os senadores seguiram o parecer da senadora Eliziane Gama (PDT-ES), relatora da indicação.
Durante sua sabatina na CCJ, o ex-ministro André Mendonça reafirmou seu compromisso com a democracia e o estado de direito. “A democracia é uma conquista da humanidade. Não há espaço para retrocesso, e o STF é o guardião desses direitos e direitos fundamentais”, disse.
“Assumo o compromisso com a Justiça e com o aperfeiçoamento do Estado democrático de Direito. Reafirmo meu compromisso irrestrito com a imparcialidade. Darei tratamento igualitário a todas as partes”, completou.
O indicado ao STF também se manifestou sobre a prisão em segunda instância, mas se esquivou de uma resposta mais contundente. “Entendo que a questão está submetida ao Congresso Nacional, cabendo a este deliberar sobre o tema, devendo o STF revistar o assunto apenas após eventual pronunciamento modificativo por parte do Poder Legislativo sobre a matéria e caso o Judiciário seja indagado a fazê-lo”, afirmou. Em outras ocasiões, ele já se manifestou favorável à prisão em segunda instância.
O próprio Mendonça fez questão de trazer à tona a questão de sua confissão religiosa, que acabou tomando vulto por causa das manifestações seguidas do presidente Bolsonaro, que insistiu em indicar alguém, segundo ele, “terrivelmente evangélico”.
“A Constituição é e deve ser o fundamento para qualquer decisão por parte de um ministro do Supremo. Como tenho dito para mim mesmo: na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição”, afirmou. “Ainda que eu seja genuinamente evangélico, entendo não haver espaço para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal Federal”, afirmou.
O ex-AGU lembrou que entre 2016 e 2018, atuou na CGU, onde teve oportunidade de coordenar as equipes de negociação dos acordos de leniência instituídos pela lei 12.186 de 2013 e assim aprimorar a efetividade da recuperação de ativos no Brasil. Nesse período, segundo ele, CGU e AGU firmaram acordos com diversas empresas, inclusive incluídas na “lava jato”.
Em outro momento, Mendonça disse acreditar que delação premiada não é elemento de prova. “Eu não posso basear uma convicção com base em uma delação. Delação não é acusação. Dito isso, eu entendo que o combate à corrupção tem que ser feito respeitando-se direitos e garantias individuais. Os fins não justificam os meios, nós precisamos respeitar a política”, afirmou Mendonça aos senadores.
“Todo mundo aqui é contra corrupção, lógico. Mas acho que há mais consensos que podemos estabelecer. Não se pode criminalizar a política. Eu aprendi nos meus estudos em Salamanca primeiro que a corrupção é um problema complexo, e o direito sancionador não é um elemento determinante para resolver esse problema”, acrescentou.
Ele também argumentou que não utilizou a Lei de Segurança Nacional (LSN) na condição de ministro de Estado para perseguir ninguém e, sim, para responder a ofensas ao presidente da República. “Em boa hora, o Congresso aprovou o texto que revogou a Lei de Segurança Nacional”, disse o ministro, afirmando que era sua função, como ministro da Justiça, utilizar a LSN por ofensas ao presidente, sem intenção de perseguir ninguém. “Reafirmo a preservação de direitos e garantias fundamentais. Juiz não é acusado e acusador não é juiz”, salientou.
“Sentindo-se o presidente da República ofendido em sua honra por determinado fato, o que significa a análise individual de a pessoa por si própria sentir-se subjetivamente ofendida em sua honra, devia o ministro da Justiça instar a Polícia Federal para apurar o caso sob pena de não o fazendo incidir em crime de prevaricação”, completou.
Questões polêmicas
Mendonça também afirmou que “há espaço para posse e porte de arma” no Brasil. Ele, porém, evitou falar sobre a legalidade dos decretos de Jair Bolsonaro sobre o tema. “Há espaço para posse e porte de armas. A questão que deve ser discutida é quais são os limites. Não posso me manifestar sobre o tratamento que foi dado pelos decretos, mas a segurança pública deve ser um objetivo a ser alcançado por todos nós. O principal debate deve ser no Legislativo, mas há um espaço para a regulação”, salientou.
Disse, ainda, que não será submisso ao presidente Bolsonaro, embora o mandatário tenha sido responsável pela sua indicação. “Há uma diferença entre ser ministro do governo e ministro do STF”, pontuou.
O senador Fabiano Contarato (Rede Sustentabilidade-ES) foi um dos únicos que questionou mais duramente o ex-ministro, ao lembrar diversas ações controversas de Mendonça quando ocupou o ministério da Justiça e a AGU, como assinar pedido de Habeas Corpus do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, quando este afrontou o STF dizendo que era preciso prender os integrantes da Corte.
E também indagou a opinião do indicado sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mendonça tergiversou e disse apenas que não compactua com discriminação, sem responder diretamente se votaria contra ou a favor em um eventual julgamento sobre a questão. Mas disse que defende o direito constitucional de união de pessoas do mesmo sexo.
Demora e fraqueza
O intervalo entre a indicação de Mendonça e a sabatina no Senado foi o maior da história recente da República. Bolsonaro encaminhou o nome do ex-AGU em 12 de julho, depois de passar uma semana insultando o Judiciário e o Senado, disparando ofensas e ataques ao STF, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e à CPI da Covid.
A demora fez com que os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) acionassem o Supremo para obrigar Alcolumbre a marcar a sabatina. No início de outubro, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu que a questão era interna corporis, e que não cabia ao Judiciário interferir no funcionamento de outro Poder da República.
Nas últimas semanas, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, passou a ser cobrado pela omissão de Alcolumbre, principalmente por parlamentares e líderes evangélicos. Na última quarta, Alcolumbre finalmente anunciou que agendaria a sabatina.
Nota de Luiz Fux
No início da noite, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, divulgou nota e adiantou que pretende dar posse a Mendonça ainda este ano. “Manifesto satisfação ímpar pela aprovação de André Mendonça porque sei dos seus méritos para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. Além disso, em função da atuação na Advocacia Geral da União, domina os temas e procedimentos da Suprema Corte, que volta a ficar mais forte com sua composição completa. Pretendo dar posse ao novo ministro ainda neste ano”, afirma o magistrado.
Fonte: jurinews.com.br