Por: Tiago Carneiro Rabelo – @prof.tiagorabelo
No Brasil, a Justiça vem passando por um processo de digitalização via Processo Judicial Eletrônico – PJe – uma realidade nos Tribunais. Nesse ínterim, até o ano de 2020, estimavam-se 80,1 milhões de processos – entre físicos e eletrônicos –, sendo que no período 2007-2020, foram ajuizados mais de 105 milhões de processos exclusivamente eletrônicos, conforme dados do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça – CNJ[1].
O primeiro passo legislativo para a concretização do tema em comento foi a edição da Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006[2] – Lei de Informatização do Processo Judicial ou Lei do Processo Eletrônico –, que regulamentou a informatização do Poder Judiciário com a introdução do PJe no cenário jurídico nacional, com base nos recursos tecnológicos existentes, inaugurando uma nova sistemática no deslinde processual.
De fato, o PJe é uma alternativa perante o sistema judiciário atualmente moroso e em crise, uma vez que na administração de milhões de processos é possível constatar que os fatores do Acesso à Justiça devem ser otimizados, entre os quais, o custo e a lentidão da burocracia do processo físico. No entanto, segundo dados do CNJ, o estoque de processos e seu contingenciamento continuam no mesmo patamar, ao passo que a litigiosidade brasileira continua na média de incremento de 4% ao ano[3], o que, de per si, não representou eficiência alguma nos índices de produtividade na mudança de paradigma para o digital, embora tenha modificado a cultura da gestão processual, gerando conforto na consulta e disponibilidade/ubiquidade dos autos digitais para os profissionais do Direito.
A Constituição Federal – CF de 1988[4] conferiu o amplo acesso ao Poder Judiciário (sob o sistema de jurisdição una) e a inafastabilidade da jurisdição ao cidadão brasileiro, que ali efetivará o seu pleito, dentro da estrutura política nacional, que efetivamente garantirá a eficiência, a celeridade processual, o contraditório, a ampla defesa, o processo justo e o devido processo legal, entre outras garantias processuais-constitucionais. E ainda, é permitido, com base no Código de Processo Civil – CPC[5], a plena possibilidade de utilização de recursos tecnológicos, com modelos de inovação, cabendo ao CNJ regulamentar e velar pela compatibilidade dos sistemas.
Outrossim, é bem verdade que, na atualidade, tem-se um renascimento cultural, isto é, um fenômeno denominado Quarta Revolução Industrial, também designado como 4.0, segundo Klaus Schawb[6]. Com efeito, sem exceção, condiciona aos profissionais do ramo jurídico o entendimento de um novo padrão tecnológico, o qual penetra na Administração Pública, sobretudo, no Poder Judiciário, na medida em que se estende a atuação das seguintes áreas: robótica, telemática, microeletrônica e Inteligência Artificial – IA, no cotidiano forense e, de forma direta, nos processos judiciais eletrônicos.
Como exemplo, no ano de 2016, o governo dos Estados Unidos da América – EUA elaborou relatório intitulado Preparing for the future of Artificial Intelligence[7], sobre aplicação da IA em diversas áreas, inclusive, com impacto no Poder Judiciário, com preocupações sobre as consequências não-intencionais de decisões sobre pessoas em processos criminais, além da prevenção da discriminação intencional (opacidade de algoritmos) e da eliminação de dados enviesados na seara criminal. Entretanto, até o presente momento, não se tem regulamentação brasileira alguma no tocante à utilização de IA nos processos judiciais, o que futuramente pode ferir a concretização da tutela jurídica constitucional e a efetiva resposta jurisdicional.
Exemplos de uso da IA no Brasil: o Supremo Tribunal Federal – STF e a Universidade de Brasília desenvolvem o projeto VICTOR, o Tribunal de Justiça de Rondônia – TJRO dispõe do sistema SINAPSES, já o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT desenvolve o sistema HÓRUS e o CNJ deseja concentrar estudos de IA a ser desenvolvido com o sistema PJe2.0, pelo projeto InovaPJe[8], para auxílio do magistrado na tomada de decisão, além de reunir outras experiências de referência no judiciário nacional que fazem uso da IA e do aprendizado de máquina para a busca de uma efetiva celeridade processual.
A IA
pode – futuramente – trazer a predição no âmbito jurídico como componente
valioso e respeitável para a tomada de decisão, bem como conferir análise
documental dentro do processo judicial. Assim, as implicações dos avanços
tecnológicos devem ser discutidas com objetivos claros para a atuação no
estoque de milhares de processos nos Tribunais brasileiros. Nesse contexto, o Acesso à Justiça tomou-se
de novos aspectos em razão do uso de meios informacionais, podendo resultar em
um salto qualitativo pelo crescente uso da tecnologia, se bem definidos os
possíveis riscos e suas vantagens. Logo, as consequências de tal
redimensionamento devem ocorrer em prol de um paradigma inclusivo e, de
sinergia entre o Direito e a Ciência de Dados, para uma Justiça eficaz.
[1] BRASIL. CNJ em Números 2020: ano-base 2019. Brasília: CNJ, 2020.
[2]Ibidem. Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm>. Acesso em: 26 jul. 2019.
[3]Idem. CNJ em Números 2018: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018, p. 54.
[4]Idem. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 jul. 2019.
[5] BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 26 jul. 2019.
[6]SCHWAB, Klaus. The Fourth Industrial Revolution. Genebra: World Economic Forum, 2016, p. 09.
[7]UNITED STATES OF AMERICA. Preparing for the future of Artificial Intelligence: Executive Office of the President National Science and Technology Council Committee on Technology. Washigton, 2016, p. 74.
[8]MELO, Jeferson. Inovações em Inteligência Artificial para o PJe são apresentadas no CNJ. In: AgênciaCNJ de Notícias, 22 maio 2019. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/88956-inovacoes-em-inteligencia-artificial-para-o-pje-sao-apresentadas-no-cnj>. Acesso em: 26 jul. 2019.
Tiago Carneiro Rabelo – Analista do TJDFT e Prof. de PJe na OAB/DF – autor de livro publicado pela Verbo Jurídico: Manual do Processo Judicial Eletrônico – Veja clicando aqui