Projeto de Lei 533/2019, de autoria do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), propõe que a busca de um acordo seja obrigatória antes de uma das partes acionar a Justiça em conflitos relativos ao Direito do Consumidor. Formalizado pelo deputado mineiro nos primeiros dias da atual legislatura, o projeto espera por votação da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara.

A matéria tem foco principal em conflitos que envolvem consumidores e já conta com parecer apresentado pelo relator, Vinícius Carvalho (Republicanos-SP). “Nesta semana, na quinta-feira (22/4), teremos a retomada do processo de discussão e a própria votação do projeto”, prevê o deputado.

A mudança proposta pelo relator no seu substitutivo virá com a adição de três parágrafos no Código de Processo Civil (CPC). Pelo texto original do projeto, o artigo 17 do CPC passaria a ter a seguinte redação em um parágrafo único: “Em caso de direitos patrimoniais disponíveis, para haver interesse processual é necessário ficar evidenciada a resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor”.

Carvalho, no entanto, incluiu novos dispositivos para tratar especificamente do Direito do Consumidor. O primeiro traz mais um parágrafo ao artigo 17 do CPC para determinar que, quando se tratar do Direito do Consumidor, a tentativa de contato com a empresa “poderá ser demonstrada pela comprovação de tentativa extrajudicial de satisfação da pretensão do autor diretamente com o réu, ou junto aos órgãos integrantes da Administração Pública ou do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, presencialmente ou pelos meios eletrônicos disponíveis”.

A segunda inovação do relator altera o parágrafo 3º do artigo 491 do CPC para deixar expresso na lei que uma vez iniciado um processo judicial, o juiz terá que avaliar se houve, de fato, tentativa de contato por parte do consumidor que move a ação. “O juiz levará em consideração a efetiva resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor, inclusive, no caso de direitos patrimoniais disponíveis, se o autor, por qualquer meio, buscou a conciliação antes de iniciar o processo judicial”. 

Motivação do projeto de lei

A principal motivação para a apresentação do projeto de lei é o inchaço do Judiciário. “Um colega meu assumiu a magistratura e assumiu 11 mil processos. O objetivo do projeto de lei é aumentar as pequenas causas para ajudar a desafogar o Judiciário”, disse ao JOTA o autor do projeto de lei, deputado Júlio Delgado (PSB-MG).

O campo de justificativa do projeto de lei diz que “a maioria das pessoas tem a falsa premissa que é melhor recorrer ao Judiciário, ao invés de solucionar o conflito, primeiramente, por meios administrativos”.

A matéria destaca que em 2018 foram apresentadas 4,7 milhões de novos processos judiciais envolvendo relações de consumo e que esse contingente pode ser tratado com o fortalecimento dos Procons.

“Alguns indicadores têm mostrado que as tentativas de solução extrajudicial podem ser muito frutíferas”, diz Patrícia Helena Marta Martins, sócia na área de Direito do Consumidor do Tozzini Freire Advogados. A plataforma de solução extrajudicial do governo federal, o consumidor.gov.br, foi efetiva em 78,4% dos casos no ano passado, com prazo médio de resposta de oito dias. Ao todo, foram 1.196.627 reclamações finalizadas. “Eu, a princípio, recebo com alegria o objeto desse projeto de lei e essa nova tentativa de evitar a propositura de uma ação judicial de forma desnecessária”, avalia Martins. 

Por outro lado, advogados consultados pelo JOTA apontam uma possível inconstitucionalidade no PL 533/2019 por atingir o direito à ação previsto no inciso XXXV do artigo 5º, que diz “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

“Esse projeto de lei também fere o artigo 3º do Código de Processo Civil, que trata da inafastabilidade de apreciação do Poder Judiciário, e descumpre o direito de facilitação de acesso do consumidor à Justiça previsto no Código de Defesa do Consumidor”, avalia Marco Antonio Araújo Júnior, especialista em Direito do Consumidor e professor do Meu Curso Inteligência e Tecnologia Educacional.

Também há ponderação pelo fato de o projeto de lei tratar de uma mudança no Código de Processo Civil, o que acarretaria alteração em todos os tipos de direito. “Em uma relação contratual entre empresas, por exemplo, como seria essa prova? O que a pessoa estaria compelida a comprovar? Seria necessário um processo administrativo?”, questiona Luiza Boechat, especialista em processo civil, pós-graduada em Processo Civil pela UERJ e advogada do Marano Advogados.

Quando a questão se tratar especificamente de Direito do Consumidor, a produção de prova da tentativa de contato com a empresa poderá ser feita com um print na tela do celular ou uma gravação, explica o relator do projeto de lei Vinícius Carvalho. “A pessoa tem que ter a comprovação de que ligou para a empresa. Se ligou e ficou esperando 20 minutos, printa a tela e mostra o tempo de espera”, exemplifica. “Esse procedimento demonstra uma tentativa de solucionar o problema que ela está tendo. Não basta somente dizer na alegação que ligou e não foi atendido. Ela tem que comprovar isso”.

Para Arthur Rolo, coordenador do Damásio Educacional e ex-secretário Nacional do Consumidor, essa exigência de tentativa de contato precisa de um aprimoramento no atendimento das empresas. “A gente só pode pedir esse tipo de comprovante depois de exigir que as empresas tenham canais de atendimento aos consumidores que propiciem o direito de ressarcimento”, defende. “Obviamente, ninguém quer que o consumidor vá ao Judiciário antes de falar com a empresa. Mas existem empresas que dificultam para o consumidor obter a prova da resistência da negociação”.

Tramitação

O PL 533/2019 tramita conclusivamente na CDC. Aprovado, será enviado para a Comissão de Constituição e Justiça, onde será designado novo relator e será necessária nova deliberação. Aprovado pela CCJ é aberto prazo de recurso de cinco sessões. O recurso – que deve ser assinado por ao menos 51 deputados – serve para que deputados que questionam a iniciativa solicitem a votação da matéria pelo conjunto dos deputados no plenário. Se não houver recurso, o projeto segue para o Senado. 

Fonte: DireitoNews

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