A Constituição de 1988 abriu o Poder Judiciário ao cidadão, que, por sua vez, achou que tem de resolver tudo no âmbito da Justiça, até mesmo discussões entre vizinhos. É por isso que, segundo o novo presidente do TJ de São Paulo, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, o volume de processos no Judiciário paulista vem crescendo desde então.
Diante da situação, Pinheiro Franco afirmou, em entrevista à ConJur, que a prioridade de sua gestão (biênio 2020-2021) será o investimento em informatização e inteligência artificial, para dar mais celeridade aos julgamentos. Também discorreu sobre o contrato bilionário entre o TJ-SP e a Microsoft — para desenvolvimento de um novo sistema de processo eletrônico, com uso de nuvem e adoção de novos softwares —, suspenso pelo Conselho Nacional de Justiça no ano passado e que será apreciado pelo STF.
O novo presidente disse ainda que terá de enfrentar grandes dificuldades financeiras e um déficit de aproximadamente R$ 600 milhões: “Não vamos poder dar grandes passos”. Por fim, avaliou pontos da chamada lei “anticrime”, como a figura do juiz das garantias e a exclusão de algumas das propostas do ministro da Justiça e Segurança Pública — Sergio Moro —, como a prisão em segunda instância e a excludente de ilicitude para policiais.
Geraldo Francisco Pinheiro Franco nasceu em São Paulo e se formou em Direito pela USP, na turma de 1979. Ingressou na magistratura dois anos depois. Desembargador há 19 anos, foi presidente da Seção de Direito Criminal no biênio 2014-2015, corregedor-geral da Justiça entre 2018 e 2019 e agora presidente. De família de magistrados (seu pai, Nelson Pinheiro Franco, também presidiu o TJ-SP, na década de 1980), contou com amplo apoio dos desembargadores na eleição, vencendo os outros dois candidatos no primeiro turno.
Leia os principais trechos da entrevista exclusiva à ConJur:
ConJur — A prioridade da sua gestão será investir em informatização. Como a robótica e a inteligência artificial podem ajudar no serviço judicial?
Pinheiro Franco — Temos que ter uma visão muito clara e muito empenhada na área de tecnologia da informação. São Paulo tem sistemas que funcionam muito bem. Precisamos melhorar ainda mais. Melhorar para que o juiz se desenvolva mais no seu dia a dia, e que o sistema traga retornos ainda mais efetivos. Precisamos implantar uma ideia de aperfeiçoamento de cada um: dos servidores e juízes; e de treinamento, para que todos possam conhecer a ferramenta que vai nos ajudar. O tribunal é muito mais célere que 10 ou 15 anos atrás, quando começou esse sistema. Hoje, a parte impetra um Habeas Corpus, e ele chega em dez minutos às mãos do relator. Antes, demorava 48 horas para se tomar conhecimento. O processo é muito mais rápido. Estamos nos aproximando novamente da empresa Softplan, que é quem cuida do sistema do tribunal. Já há um protótipo de um sistema novo, que é o eSAJ6, bem mais avançado.
ConJur — O que teria de novidade?
Geraldo Pinheiro Franco — Mais interativo, com mais facilidades. A questão da nuvem vai facilitar a vida de todos, inclusive em termos de custo. A robótica também é essencial para nós. Por exemplo: dos 20 milhões de processos, 11 milhões são de execuções fiscais, não adianta colocar 500 escreventes para cuidar disso. Não tenho dinheiro e não é possível treinar de uma vez só esse contingente. Por isso a necessidade da robótica. Já foi implantada na gestão anterior, em Guarulhos e na execução estadual em São Paulo.
Fui pessoalmente conhecer e é muito bem feito. Ele faz 24 horas o serviço repetitivo. Logicamente que a decisão é do magistrado, o robô não vai decidir o processo, mas vai ajudar muito, não só o magistrado, mas o cidadão que precisa de uma solução para aquela questão. Inteligência artificial é essencial também na distribuição e nas questões repetitivas, que podem ser encaminhadas de uma forma ou de outra para que o relator tenha mais facilidade e rapidez para enfrentar temas específicos e, assim, poder se debruçar em temas mais complexos.
ConJur — Caso o Supremo Tribunal Federal entenda que a decisão do Conselho Nacional de Justiça de interromper o contrato do TJ-SP com a Microsoft nessa área foi errada, pensa em retomá-lo? Até que ponto o CNJ pode interferir em questões administrativas do tribunal?
Pinheiro Franco — A ação que está ajuizada não discute o contrato em si, mas sim a autonomia do tribunal. Houve violência ao princípio da autonomia dos tribunais frente ao pacto federativo com relação à decisão do CNJ? Essa é a indagação que se coloca perante o STF. O Supremo vai se debruçar sobre essa questão, como também vai se debruçar sobre a questão da implantação do SEEU, que é o Sistema Eletrônico de Execução Unificado. A discussão também é com relação à questão da autonomia. Eu, particularmente, tenho o entendimento de que nenhum tribunal precisa ter o mesmo sistema. O que tenho defendido é que esse sistema, seja lá qual for, precisa se comunicar com os outros. Até agora, o sistema de execução unificada, por exemplo, não fala com outros sistemas. Assim, há uma dificuldade muito grande com relação à interoperabilidade. O nosso sistema SAJ, implantado na execução, é muito bom. A questão não é fazer uma equivalência se o SEEU é bom e se o nosso é bom. Na minha ótica, o que precisa ficar estabelecido é que, se você tiver em vários tribunais vários sistemas bons e que se falam, não há necessidade de existir um único sistema no país.
Nós estamos conversando [com o CNJ], sempre muito respeitosamente e compreendendo a postura e as definições do CNJ. Não sei exatamente dizer se o Supremo vai entender que houve ofensa ao princípio da autonomia com relação à Microsoft. Entendo que é preciso priorizar a autonomia dos tribunais, ainda que dentro de um sistema judicial nacional. Agora, caso o Supremo Tribunal entenda que houve ofensa ao princípio da autonomia, nós vamos estudar formalmente o que é melhor para o tribunal. Continuamos investindo no sistema SAJ. Essa é a nossa prioridade hoje. Se, eventualmente, o Supremo entender que o sistema Microsoft, observado o princípio da autonomia, poderia ser contratado, aí vamos examinar e entender se é razoável deixarmos o sistema SAJ, que já está implantado, ou voltarmos nossos olhos para o contrato da Microsoft.
ConJur — O orçamento do TJ-SP ficou abaixo do necessário. Como administrar o tribunal sabendo dessa falta de recursos?
Geraldo Pinheiro Franco — A questão orçamentária é real. O Manoel Pereira Calças, presidente no biênio 2018-2019, enfrentou essa dificuldade orçamentária, inclusive no final do ano, quando o Poder Executivo suplementou R$ 240 milhões. Ainda assim, ficou em aberto um volume bastante acentuado de verba não suplementar. Estamos conversando com o governo do estado no sentido de mostrar a eles essa dificuldade. Começamos com um orçamento menor e com um déficit bastante considerável. A minha preocupação é não deixar para discutir no final do ano. Estamos fazendo reuniões mensais para debater como vamos fazer e de que forma vamos fazer para não chegar lá para frente com um problema que, às vezes, pode se tornar insolúvel e com reflexos mais graves.
Além da questão orçamentária, temos uma dificuldade relativa à nova forma de cálculo da receita líquida corrente do estado. A Secretaria do Tesouro Nacional estabeleceu que uma parcela do que compunha esse cálculo, que é o Fundeb, não poderia mais ser computado. É um valor da ordem de R$ 7 a 8 bilhões. Qual foi o reflexo disso? Fomos dormir numa quarta-feira longe do percentual de qualquer preocupação e acordamos já no limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal. E estamos tratando disso, procurando discutir essa questão com o Tribunal de Contas, que já fez uma modulação. A questão reflete diretamente na nomeação de servidores e magistrados e isso me preocupa muito. Temos 82 magistrados para serem nomeados e estou estudando como fazer para recebê-los. Temos uma janela aberta de juízes da ordem de quase mil, entre substitutos e varas sem juízes. São vagas em aberto.
ConJur — Que tipo de posicionamento o governo tem passado?
Geraldo Pinheiro Franco — O governo do estado, de uma forma geral, está muito atento às questões. Por duas razões: primeiro porque compreende muito bem que o tribunal não pode ficar amarrado. O Tribunal de São Paulo é o maior do país, atende milhares de pessoas e não podemos simplesmente frear o atendimento. E de outro lado, o governo do estado também está ciente, também está vendo materialmente o nosso empenho em contribuir para a dificuldade que não é só do Poder Judiciário, mas uma dificuldade nacional. Tenho certeza de que eles vão se sensibilizar e as conversas estão sendo muito proveitosas.
ConJur — O tribunal não tem conseguido repor os aposentados. Esse ano será possível abrir concurso para escrevente e outras funções?
Geraldo Pinheiro Franco — Eu diria que hoje [31 de janeiro] não é possível. Mas as questões vão se mexendo de acordo com as disponibilidades. Se nós conseguirmos suplantar essa dificuldade com a Lei de Responsabilidade Fiscal, se nós conseguirmos de alguma forma suplantar o déficit orçamentário — e estamos empenhadíssimos nisso —, aí acredito que possamos pensar não só em abrir concursos, mas em fazer nomeações em face dos concursos que estão abertos e dos quais há candidatos aguardando. Essa seria a prioridade: nomear quem está aguardando. Num segundo momento, abrir concurso. Mas, hoje, eu teria muita dificuldade de imaginar que possamos partir para esse campo.
ConJur — De quanto é o déficit orçamentário do tribunal?
Geraldo Pinheiro Franco — Hoje, é de R$ 600 milhões. Alguma coisa relativa a R$ 290 milhões que ficou de 2019 e o restante é referente a este ano, incluindo a diminuição do orçamento, que ficou na casa dos R$ 12 bilhões para 2020. Estamos projetando esse número lá para frente. Vão faltar R$ 300 milhões, em tese, para que o tribunal feche as contas em dezembro.
ConJur — O senhor falou em uma reengenharia de cargos e varas, que isso vinha sendo estudado. Como será feita essa reestruturação?
Geraldo Pinheiro Franco – Estamos com um estudo que foi iniciado na gestão anterior e estamos trazendo para a realidade de hoje. Porque a realidade de hoje é pior que a de 2019. Precisamos estabelecer alguns paradigmas de servidores por unidade. Não será feito nada que vá prejudicar ninguém. É preciso ter algumas ideias razoáveis e entender que, se um cartório tem, por exemplo, dez e o outro tem dois, então é preciso que nesses cartórios vizinhos haja um mínimo de correspondência para que todos possam, dentro das dificuldades, trabalhar o mais próximo da igualdade. É otimizar o trabalho.
ConJur — Houve uma aposta muito grande nos cartórios unificados. Na última gestão, foi nomeada uma comissão para reanalisar tudo isso. O senhor está a par desse estudo?
Geraldo Pinheiro Franco — Nos dois anos em que estive à frente da Corregedoria-Geral de Justiça, fui visitar todas as UPJs [unidades de processamento judicial] do estado. Conversei com juízes, servidores, advogados, que são os maiores destinatários disso tudo. Examinei números, vi fisicamente e cheguei à conclusão de que é um projeto factível, que o tribunal não pode abrir mão. Na minha gestão, já está sendo estudada essa questão e eu pretendo dar seguimento. Notadamente, em razão da dificuldade de servidores. Conseguirmos juntar, como funciona no Fórum João Mendes, cinco cartórios para tratar de cinco varas. É possível em uma divisão de trabalho, que é regrada em uma resolução do tribunal, fazer algo extremamente profícuo, rápido, limpo e proveitoso para todos: juízes, servidores e cidadão. Vamos olhar o Fórum João Mendes e depois abrir para outros foros regionais. Para o foro criminal também é algo importante.
ConJur — Tem algum projeto de outra gestão que pretende retomar?
Geraldo Pinheiro Franco — Estamos enfrentando um problema muito difícil na administração do Tribunal de Justiça. Lógico que estou aberto a qualquer proposta e estou pedindo ajuda aos membros do tribunal e aos juízes de primeiro grau que me tragam propostas, sejam elas quais forem, ainda que nunca ninguém tenha tido a ideia específica. Mas tenho muito claramente que não vamos poder dar grandes passos. Esse é um dado objetivo. Se conseguirmos melhorar as condições de trabalho tecnológicas dos juízes e servidores, se conseguirmos fazer essa reengenharia de servidores, se conseguirmos dentro dessa reengenharia, estabelecer essas possibilidades de UPJs, acredito que vamos dar um passo bastante ponderado para essa gestão. É claro, sem prejuízo de novas situações ou projetos que se mostrarem factíveis para estudarmos e implantarmos.
ConJur — O que o senhor destacaria como problemas urgentes identificados, por exemplo, nas suas visitas como corregedor e que precisam ser atacadas no tribunal?
Geraldo Pinheiro Franco — Tive a impressão, não só na capital, mas principalmente no interior, de que as coisas funcionam muito bem. Tive um retorno inclusive de advogados. Visitei 1.700 unidades no estado todo, entre extrajudicial e judicial, e o retorno foi muito positivo. Encontrei juízes extremamente comprometidos, preocupados, talentosos. Servidores da mesma natureza, que se orgulham das funções que exercem. As dificuldades maiores são de pessoal, o que vamos tentar minorar com os projetos de tecnologia. Constatei poucos problemas relativos a fóruns. Alguns mais novos, outros mais velhos, mas funcionam bem, alguns prédios que precisam ter uma forma de uso mais adequada. Salas melhores, o trânsito melhor.
Não há graves problemas de infraestrutura. O que mais incomoda os magistrados é o volume brutal de serviço. Isso é um dado objetivo. Queira ou não queira, a Constituição de 88 abriu o Poder Judiciário ao cidadão, o que é positivo, mas de outro lado, hoje, o cidadão resolve ou quer resolver tudo no âmbito da Justiça, o que é ruim. Altamente negativo. Um problema que eu tinha com o meu vizinho eu ia na casa dele e dizia: você não pode segurar o seu cachorro para ele não entrar na minha casa? Hoje não. O cidadão já ingressa com uma ação judicial. É fácil e no estado de São Paulo é barato. É o estado em que as custas são mais baratas, por incrível que possa parecer.
ConJur — Há previsão de instalação do Departamento de Inquérito Policial (Dipo) no interior do estado?
Geraldo Pinheiro Franco — O Dipo foi criado há mais 30 anos e não como a ideia do juiz das garantias, mas para que as varas criminais ficassem desafogadas do volume de inquéritos e da necessidade das medidas incidentais, cautelares. A lei estadual criou dez departamentos estaduais de inquéritos policiais no interior e criou os dez Deecrims (Departamento Estadual de Execução Criminal). Os Deecrims foram instalados imediatamente porque o custo era menor. No âmbito do Dipo se entendeu que o custo era muito grande. Não era possível montar um departamento grande em cada RAJ, que abrange muitas circunscrições e comarcas. A movimentação desses inquéritos seria problemática. Aqui em São Paulo temos 13 juízes no Dipo. No interior não seria possível ter uma estrutura dessa natureza. Esse departamento não foi imaginado como prestador do que se chama de juiz das garantias. Também não é essa a ideia.
ConJur — Como será feita a implantação do juiz das garantias em São Paulo se o STF declará-lo constitucional?
Geraldo Pinheiro Franco — Já estamos fazendo estudos junto à Corregedoria-Geral de Justiça. Não tem um grupo de trabalho formal, mas a Corregedoria, junto com a Presidência e os assessores, estão conversando, discutindo um plano objetivo para que a gente possa implantar se assim for determinado.
ConJur — Ainda falando da questão criminal, o que o senhor achou de mais positivo do “pacote anticrime”?
Geraldo Pinheiro Franco — Confesso que não tive tempo de me debruçar profundamente, mas tenho algumas dúvidas. Por exemplo, por que o juiz das garantias vai examinar a denúncia nas duas fases oferecidas pelo Ministério Público se toca a ele exclusivamente a condução da investigação? A apreciação da denúncia, na minha ótica, melhor seria que ficasse com o juiz da instrução. Outra questão que me trouxe alguma dúvida é do aproveitamento da prova produzida pelo juiz da instrução. O juiz da instrução, na minha ótica de ter, com esses anos todos da área penal, pleno conhecimento do que foi apurado na investigação. Seja para favorecer o réu, seja para cogitar e avaliar essa investigação. É muito importante que ele tenha plena visão das coisas. E está me parecendo que se pretende não permitir a ele que tenha uma visão muito extensa.
Mas são questões inclusive sobre as quais a própria jurisprudência vai se debruçar e estabelecer alguns limites. A necessidade de se estabelecer prazos muito definidos com relação ao reexame de custódia. Não me parece que deva ser assim. Na medida que o magistrado decreta custódia de algum indivíduo, essa custódia deve ser preservada, salvo se se demonstrar que ela é imprópria ou ilegal, que não há mais razão para que essa custódia persista no âmbito da instrução ou ainda que a própria instrução já traga indicações de que o destino do processo vá para a absolvição. Então, não me parece que essa obrigação de tempos em tempos de ser reexaminada seja razoável, até porque, pelo menos no estado de São Paulo, todos têm advogados, como tem a Defensoria Pública, que presta um relevantíssimo trabalho no âmbito das ações penais.
ConJur — Dois pontos que ficaram de fora, mas geraram muita discussão, foram a excludente de ilicitude e a prisão em segunda instância. Qual é a avaliação que faz desses dois temas?
Geraldo Pinheiro Franco — Não vejo nenhum problema na prisão em segunda instância. Muito pelo contrário. Principalmente no âmbito da ação penal, o princípio da eficácia tem que estar presente. Não é possível que um indivíduo seja proclamado condenado em primeiro grau, em segundo grau e não vá cumprir a pena. As coisas banais, um pequeno furto, um pequeno estelionato, sabemos que esse indivíduo não vai para a cadeia. Quem vai custodiado hoje é quem praticou crimes de violência, contra a vida, contra os costumes. Crimes graves. Não vejo como razoável se impedir que essa sentença seja antecipadamente executada em prol da sociedade, em prol da própria vítima e para evitar os descalabros que nós assistimos nesses anos todos. Impunidade absoluta. Um indivíduo condenado pelo júri que foi preso 20 anos depois. A pena até perde a razão de ser depois de 20 anos de uma instrução e de condenação. Respeito quem pensa diferente. Mas, na minha ótica, acho até que o juiz de primeiro grau pode e deve, se for o caso, fundamentadamente decretar preventiva na própria sentença.
A excludente de ilicitude para agentes públicos é uma questão bastante delicada. Confesso que precisaria estudar mais sobre isso. Se de um lado a preocupação foi que aquele que dá sua vida para proteger o cidadão —e dentro de uma situação muito específica e na qual haja, por exemplo, troca de tiros —, que ele possa ser entendido como alguém que mereça um valor especial da lei. Isso é defensável. Agora, de outro lado, o que nós não podemos é vislumbrar essa mesma figura jurídica e processual como um privilégio de alguém por estar no exercício de um cargo público. Mas é uma questão que vamos ter que debater muito.
ConJur — O governador João Doria tem um projeto de privatização de presídios. Como avalia?
Geraldo Pinheiro Franco — Essa questão tem se debatido por muitos anos e nunca se chegou à definição nenhuma. Estudei rapidamente nos Estados Unidos em uma escola da Justiça americana, no estado de Nevada, onde visitei muitos presídios. Na época eu era juiz do Dipo, Corregedor da Polícia Judiciária e fui visitar alguns presídios públicos e alguns privados. Já naquela época, em 1992 mais ou menos, havia um debate se valia a pena privatizar presídios. Muitos defendiam que sim e muitos defendiam que não. Por várias razões, sejam elas de ordem de segurança, sejam elas de ordem econômica. Não é um assunto que vá ter uma definição clara em momento algum. Mas também não fecho a porta para a privatização.
ConJur — Mas é preciso testar isso?
Geraldo Pinheiro Franco — Eu acredito. No âmbito de São Paulo, a rede prisional é diferente dos outros estados. São 180 presídios, e eu conheço muitos deles, bem administrados. O problema maior é o número de sentenciados, que é uma dificuldade muito grande, mas são presídios administrados de forma responsável. Acredito que é preciso que nós, em algum momento, e parece que será agora, tenhamos essa possibilidade de entender se é possível ou se não é possível, se vale a pena ou se não vale a pena, se há risco ou se não há risco, se é mais barato ou se não é mais barato. Eu mesmo não tenho essa ideia, mas acredito que seja o momento de talvez procurar entender essa equação.
Fonte: ConJur