Para recebimento de denúncia pelo crime de abandono de incapaz, previsto no artigo 133 do Código Penal, basta o risco em potencial sofrido pelo menor. O risco efetivo que a conduta impôs a ele deverá ser verificado em concreto no curso da ação penal.
Com esse entendimento e por maioria de votos, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso em Habeas Corpus ajuizado por uma mãe que deixou o filho para trás ao tirá-lo do carro da família após uma discussão.
O caso aconteceu em Ilhabela (SP), quando a família se preparava para fazer um passeio de barco. O menor, de 13 anos, brigou com a mãe por causa do padrasto. O casal decidiu que ele não merecia passear. Com isso, abandonaram-no na mesma rua onde estavam hospedados.
O menor ligou para o pai, que o orientou a chamar a polícia. Ele foi recolhido pelo conselho tutelar, que só conseguiu entrar em contato com a mãe muitas horas depois, à noite. O filho passou a noite em um abrigo e foi recolhido pelo genitor no dia seguinte.
A defesa ajuizou Habeas Corpus para trancar a ação penal porque a denúncia não faz menção ao risco efetivo, real e concreto que a vítima teria sido exposta. Em vez disso, limita-se a dizer que era “incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono”.
Relator, o desembargador convocado Olindo Menezes entendeu que a denúncia preencheu todos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal: imputou claramente a conduta criminosa, descreveu suficientemente os fatos e individualizou a conduta.
“É prematura a concepção de atipicidade, nos termos em que reivindicada para ceifar a ação penal. O elemento subjetivo da agente, bem como o efetivo risco ao adolescente são questões a serem depuradas no curso da persecução”, disse o relator. A posição foi acompanhada pelos ministros Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior.
Qual risco?
Abriu a divergência o ministro Rogerio Schietti, acompanhado pelo ministro Antonio Saldanha Palheiro. No voto vencido, ele defendeu que a denúncia é inepta porque o crime de abandono de incapaz é de perigo concreto. Ou seja, é preciso demonstrar que a vítima foi efetivamente ameaçada, mesmo que nenhum dano tenha ocorrido.
Para ele, ao exigir que a denúncia contenha a “exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias”, o artigo 41 do CPP impõe que se apontem todos os elementos constitutivos do tipo penal, mesmo que de maneira superficial. No caso do crime de abandono de incapaz, isso requer a demonstração do perigo concreto.
“Assim, não há dúvidas de que não foi possibilitado à denunciada nem sequer compreender adequadamente os termos da acusação e dela defender-se , a evidenciar o apontado constrangimento ilegal de que estaria sendo vítima e, por conseguinte, justificar o encerramento prematuro do processo”, explicou.
Também foi considerada a falta de justa causa para a ação penal. O adolescente de 13 anos abandonado, apesar de incapaz para atos da vida civil, não era incapaz de defender-se da situação em que colocado. Prova disso é que agiu: ligou para o pai e obteve ajuda.
Segundo o ministro Schietti, embora reprovável, a conduta da mãe não causou nenhum perigo concreto ao adolescente que permita a configuração de um crime.
- RHC 160.809
Fonte: Direito News