A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou nesta quarta-feira (10) que seja solto imediatamente um homem acusado em 62 ações penais a partir apenas do reconhecimento fotográfico.
Paulo Alberto da Silva Costa, porteiro de um prédio, nunca teve prisões ou acusações anteriores, mas teve fotos retiradas de redes sociais e incluídas no álbum e no mural de suspeitos da Delegacia de Belford Roxo (RJ).
A justificativa foi que sua aparência física era compatível com a descrição apresentada por vítimas de crimes. Costa é um homem negro de 36 anos e está preso desde março de 2020. Atualmente, está detido no Complexo de Bangu.
O caso
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro alegou que a identidade visual do suspeito foi sendo construída ao longo da investigação e que ele foi reconhecido apenas por fotografia apresentada às vítimas ao lado de outras que mostravam indivíduos com características físicas diferentes.
Em uma dessas ações penais, o porteiro chegou a ser condenado pela Justiça do Rio a seis anos e oito meses de prisão. O Tribunal de Justiça do Rio ainda negou recurso da defesa e, ao atender um pedido do Ministério Público, aumentou a pena para oito anos. O caso chegou ao STJ.
O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) apontou que todos os 62 casos seguiram o mesmo procedimento policial: o reconhecimento fotográfico e o pronto encerramento das investigações, sem investigação e produção de outras provas.
Votos
Os ministros entenderam que todos os processos foram baseados apenas no reconhecimento fotográfico falho.
A relatora, ministra Laurita Vaz, afirmou que houve um erro sistêmico e que identificação apresentava contradições. Em determinado momento, segundo ela, ele usava cavanhaque. A altura do suspeito só surgiu em um segundo momento, e a vítima não chegou a afirmar que reconhecia o acusado.
A relatora ressaltou que o STJ tem entendimento de que apenas o reconhecimento fotográfico não serve como prova cabal de crime.
“O reconhecimento positivo pode comprovar a autoria. Não significa que a afirmação do ofendido que identifica agente do crime é prova cabal. Do contrário, a função dos órgãos de estado seria relegado a segundo plano, a mero homologador da acusação”, disse.
Laurita Vaz ressaltou que o reconhecimento de pessoas não prepondera sobre quaisquer outros meios de prova, cabendo aos investigadores buscar mais medidas como confissão, testemunha, perícia, entre outros.
O ministro Rogério Schietti afirmou que não se pode enviar alguém para o presídio só pelo reconhecimento da vítima em um álbum fotográfico. O ministro disse que o caso causa vergonha ao sistema de Justiça.
“Não estamos num caso como qualquer outro. Estamos diante de um caso que me envergonha de ser integrante do sistema de Justiça, que é de moer gente. Roda vida de crueldade.”
O ministro Sebastião Reis afirmou que houve um desprezo pelo ser humano no caso.
“O sistema não está funcionando. Em situação anterior, já tinha votado aqui minha preocupação com o racismo. Ele existe, não há como contestar. Basta a leitura dos processos que a gente vai perceber que o preto pobre é principal alvo da atuação policial. Se pegar mesma situação em região periférica do Rio e no Leblon, o comportamento é diferente. Quando é branco, de melhor condição, há tratamento cuidadoso e quando é preta a violência prepondera.”
A Terceira Seção determinou, ainda, a comunicação da decisão à Corregedoria da Polícia Civil do Rio de Janeiro para providências.
Fonte: G1