A maioria da primeira turma do STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu, nesta terça-feira (29), que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime. No dia seguinte (30), o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) anunciou que vai instalar uma comissão especial com o objetivo de rever a decisão.

O entendimento é sobre um caso específico, em um habeas corpus, que revogou a prisão preventiva de cinco pessoas que trabalhavam em uma clínica clandestina de aborto em Duque de Caxias (RJ), mas pode ser considerada um passo à frente na descriminalização do ato, desde que no início da gravidez. Votaram dessa forma os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin.

Hoje, segundo o Código Penal, a mulher que aborta está sujeita a prisão de um a três anos; já o médico pode ficar preso por até 4 anos.

A decisão do STF

O relator da decisão, ministro Marco Aurélio. (Foto: Divulgação)

O relator da decisão, ministro Marco Aurélio. (Foto: Divulgação)

O relator, ministro Marco Aurélio, já havia concedido liminar em 2014 para soltar os cinco médicos e funcionários da clínica. Seu fundamento era que não existiam os requisitos legais para a prisão preventiva (como ameaça à ordem pública e risco à investigação e à aplicação da lei). Nesse processo, nenhuma mulher que praticou aborto na clínica foi denunciada.

Em agosto deste ano, quando foi a julgamento o mérito do habeas corpus, Barroso pediu vista. Em seu voto, nesta terça, ele concordou com a revogação das prisões pelos motivos apontados por Marco Aurélio, mas trouxe um segundo fundamento. Para ele, os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto no primeiro trimestre de gestação violam direitos fundamentais da mulher.

As violações são, segundo o voto de Barroso, à autonomia da mulher, à sua integridade física e psíquica, a seus direitos sexuais e reprodutivos e à igualdade de gênero. “Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não”, escreveu o ministro sobre o direito à igualdade de gênero.

“O direito à integridade psicofísica protege os indivíduos contra interferências indevidas e lesões aos seus corpos e mentes, relacionando-se, ainda, ao direito à saúde e à segurança. Ter um filho por determinação do direito penal constitui grave violação à integridade física e psíquica de uma mulher”, afirmou também o ministro.

Além disso, segundo Barroso, a criminalização do aborto causa uma discriminação contra as mulheres pobres, que não podem recorrer a um procedimento médico público e seguro, enquanto as que têm condições pagam clínicas particulares.

Ainda de acordo com Barroso, os principais países democráticos e desenvolvidos, como Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal e Holanda, não criminalizam o aborto na fase inicial da gestação. O prazo de três meses foi tirado da comparação com esses países.

Barroso destaca, em sua decisão, que o aborto não é algo bom, e que o papel do Estado deve ser evitá-lo, mas com educação sexual, distribuição de contraceptivos e apoio às mulheres que desejarem manter a gravidez, mas que não tenham condições.

A polêmica na Câmara dos Deputados

O presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia. (Foto: Divulgação)

O presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia. (Foto: Divulgação)

Maia disse que pretende adotar essa medida toda vez que o STF resolver legislar no lugar do Congresso, “ratificando ou retificando a decisão” do tribunal.

“Informo ao plenário que eu já tinha conversado desse assunto com alguns líderes que, do meu ponto de vista e vou exercer o poder da presidência, toda vez que nós entendermos que o Supremo legisla no lugar da Câmara dos Deputados ou do Congresso Nacional, nós deveríamos responder ou ratificando ou retificando a decisão do Supremo, como a de hoje”, declarou Maia.

A medida do Supremo foi bastante criticada por parlamentares, entre eles o coordenador da bancada evangélica, João Campos (PRB-GO). De olho na reeleição à presidência da Câmara em fevereiro, Maia acabou cedendo à pressão.

A comissão especial irá analisar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que trata sobre licença-maternidade no caso de bebês prematuros, mas a intenção dos deputados é deixar claro no texto que o aborto deve ser considerado crime a qualquer tempo da gestação.

No total, o colegiado será integrado por 34 membros titulares e igual número de suplentes. Segundo Maia, o objetivo é que a comissão aprove um parecer em até 11 sessões (prazo mínimo) para que o texto seja, em seguida, apreciado pelo plenário.

Com informações de: Folha, G1

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