O Ministério Público do Trabalho (MPT) e as vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi firmaram um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) nesta quinta-feira (9), após mais de oito horas de reunião.
As empresas da Serra são as que utilizaram a mão de obra dos 207 trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão, em Bento Gonçalves, no dia 22 de fevereiro. Eles eram contratados da terceirizada Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão em Saúde Ltda.
No acordo, as três vinícolas assumiram 21 obrigações do que fazer e não fazer para aperfeiçoar o processo de tomada de serviços, com a fiscalização das condições de trabalho e direitos de trabalhadores próprios e terceirizados. As medidas também visam impedir que casos semelhantes ocorram no futuro.
Segundo nota divulgada pela Salton após a assinatura, o TAC prevê pagamento de R$ 7 milhões, divididos entre as três vinícolas, a título de indenização. O valor “será revertido a entidades, projetos ou fundos que permitam a reparação dos danos sociais causados, a serem oportunamente indicados pelo Ministério Público do Trabalho”, diz o comunicado da Salton.
Outro objetivo estabelecido no documento é o monitoramento de direitos trabalhistas na cadeia de produção. As obrigações pactuadas passam a valer imediatamente.
A assinatura do TAC garante o cumprimento imediato de suas obrigações com a mesma força de uma sentença judicial, e de modo mais rápido. O acordo estabelece, no entendimento do Ministério Público do Trabalho, um paradigma jurídico positivo no Estado e no país no sentido da responsabilidade de toda a cadeia produtiva em casos semelhantes. A apuração do MPT no caso prossegue no que diz respeito à responsabilização da empresa prestadora, a Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, que rejeitou a possibilidade de acordo.
As tratativas entre MPT e vinícolas ocorrem, pelo menos, há dez dias. Num dos primeiros encontros, no dia 2 de março, o órgão definiu que as empresas teriam dez dias para apresentar contratos e documentos feitos com a empresa terceirizada. Depois, no último sábado, o Ministério apresentou um TAC. Na ocasião, conforme o órgão, as vinícolas declararam disposição para avançar nas tratativas.
O MPT também realizou audiência com a terceirizada. No último dia 2, a empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda não aceitou as condições para assinatura de um TAC com o MPT. Ainda de acordo com o órgão, a empresa não reconhece a ocorrência de trabalho em condições análogas à escravidão e, por isso, negou o pagamento de R$ 600 mil de indenização.
Nesta sexta-feira (10), às 9h30min, em Porto Alegre, o procurador-chefe do MPT-RS Rafael Foresti Pego e o coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete), Lucas Santos Fernandes, vão apresentar o TAC firmado com as três vinícolas na noite desta quinta.
Relembre o caso
O caso dos trabalhadores em situação análoga à escravidão foi denunciado após seis homens conseguirem fugir do local onde eram mantidos e buscar contato com a Polícia Rodoviária Federal, que prestou auxílio e deu início à operação. Um dos denunciantes já havia gravado vídeo com um celular e publicado em uma rede social reclamando das condições de trabalho. Ele relata que foi agredido pelos supostos empregadores por isso. O homem contou à polícia que aproveitou quando os agressores foram atender uma ligação e pulou de uma janela, correndo até um mato próximo do local onde estava. Ele e mais dois trabalhadores, que estavam com ele, aguardaram até as 3h da quarta-feira (22) para sair e pedir ajuda.
Ainda na quarta, uma operação conjunta de PRF, Polícia Federal (PF) e MTE flagrou 180 homens no alojamento, em situação precária de hospedagem, higiene e alimentação. À equipe, trabalhadores relataram que sofriam violência verbal, física, ameaças de morte e eram alimentados com comida estragada. Após o primeiro flagrante, outros 27 homens foram resgatados, na quinta, e encaminhados ao ginásio.
O aliciador da mão de obra e administrador da empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, Pedro Augusto Oliveira de Santana, chegou a ser preso ainda na quarta, mas foi liberado no dia seguinte após pagar fiança de R$ 39.060. Natural de Valente (BA), o empresário está sendo investigado. Ele trabalharia na região, com prestação de serviço, há pelo menos 10 anos, conforme o MTE.
Os homens resgatados atuavam, principalmente, na colheita da uva, em propriedades rurais do município. As três vinícolas — Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton —, citadas pelos trabalhadores e que contrataram o serviço terceirizado da prestadora, afirmaram em notas não ter conhecimento da situação em que os homens eram expostos até a operação, e que irão colaborar com a investigação. As investigações seguem com o MTE, Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal (PF).
Além de vinícolas, 23 proprietários rurais contratavam serviços de trabalhadores resgatados em Bento. Os nomes dos 23 não foram divulgados. A investigação ainda aponta que os trabalhadores atuavam na carga e descarga da uva em vinícolas e na colheita da uva nas propriedades rurais.
O que dizem as vinícolas sobre o caso de trabalho análogo à escravidão
Por meio de assessorias de imprensa, as três empresas publicaram comunicados. As vinícolas Aurora e Salton divulgaram novo comunicado após firmar o TAC.
O que diz a Aurora
“A Vinícola Aurora segue atuando em diversas frentes na implementação das melhores práticas trabalhistas, sociais e, principalmente, humanas na empresa e em sua cadeia produtiva. A assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho é mais um passo no sentido de reparar os danos aos trabalhadores temporários, bem como assegurar o comprometimento da empresa com medidas permanentes de promoção de condições dignas e seguras no trabalho.
À sociedade brasileira, a Aurora reafirma seu compromisso de aperfeiçoar cada vez mais os processos produtivos e mecanismos de fiscalização, garantindo aos trabalhadores, diretos e indiretos, uma jornada com segurança, salubridade, treinamento adequado e respeito.”
O que diz a Salton
“A Vinícola Salton firmou, nesta quinta-feira (09/03), acordo com o Ministério Público do Trabalho para reparar danos causados a trabalhadores e à sociedade, em função de resgate ocorrido nas dependências da empresa Fênix Serviços Administrativos, flagrada mantendo trabalhadores em condições degradantes em um alojamento em Bento Gonçalves. A Salton contratou 14 trabalhadores desta prestadora de serviços para carga e descarga de caminhões de uva na safra 2023.
Os termos do acordo, assinado pelas vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi, reforçam que as empresas concordaram voluntariamente com o pagamento, sob a forma de indenização, no valor de R$ 7 milhões, a ser rateado pelas empresas. Além de compor o fundo dos trabalhadores resgatados, o valor será revertido a entidades, projetos ou fundos que permitam a reparação dos danos sociais causados, a serem oportunamente indicados pelo Ministério Público do Trabalho.
A Salton ressalta que assinatura voluntária deste termo tem o intuito de reforçar publicamente seu compromisso com a responsabilidade social, boa-fé e valorização dos direitos humanos, bem como a integridade do setor vitivinícola gaúcho.
A Salton e as demais vinícolas construíram conjuntamente com o Ministério Público do Trabalho procedimentos para fortalecer a fiscalização de prestadores de serviços para evitar que episódios lastimáveis voltem a ocorrer. Além disso, o acordo prevê, também, ampliar boas práticas com relação à cadeia produtiva da uva junto aos seus produtores rurais.
Por fim, o acordo se encerra com a declaração de que sua celebração “não significa e não deve ser interpretada como assunção de culpa ou qualquer responsabilidade” por parte das vinícolas pelas irregularidades constatadas na empresa prestadora de serviços Fênix Serviços Administrativos.
A Salton reforça que cumprirá prontamente as determinações do acordo e reitera que atuará ainda em frentes adicionais já apresentadas em nota pública, tais como revisão de todos os processos de seleção e contratação de fornecedores, com implantação de critérios mais rigorosos e que coíbam qualquer tipo de violação aos dispositivos legais, incluindo direitos humanos e trabalhistas; contratação de auditoria independente externa para certificar as práticas de responsabilidade social; adesão ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, entre outros.
A empresa reitera que repudia, veementemente, qualquer ato de violação dos direitos humanos e expressa, também, seu repúdio a todas e quaisquer declarações que não promovem a pacificação social. A Salton a procura reafirmar com este acordo a sua não omissão diante deste doloroso fato, a sua demonstração genuína de amparo aos trabalhadores e à sociedade e o seu dever moral e legal em assumir uma postura mais diligente em relação aos seus prestadores de serviços.
Família Salton”
O que diz a Cooperativa Garibaldi
“Nota à imprensa
Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às práticas da empresa sob investigação no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação relatada.
Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado.
A Cooperativa aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes.
Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito.
Desde já, no entanto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos.”
O que diz a Fênix
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Bento Gonçalves, 2 de março de 2023.
A Empresa FÊNIX SERVIÇOS DE APOIO ADMINISTRATIVOS* vem, por meio desta, se expressar em virtude dos fatos divulgados pelas mídias, ocorridos nos últimos dias, envolvendo a sua idoneidade, seriedade, respeito pelos seus colaboradores e 10 anos de trabalho sério.
Primeiramente, assim como toda a população, estamos consternados com os acontecimentos, já que somos uma empresa que sempre se posicionou em garantir, a qualquer trabalhador, seja de qualquer lugar do País, todos os direitos preceituados na legislação vigente, reconhecendo e protegendo a dignidade de todos os seus colaboradores através do respeito, seriedade e cumprimento, de forma rigorosa, dos ditames da lei.
Nesse sentido, após os relatos da mídia, estamos averiguando os acontecimentos e apurando qualquer suposta irregularidade a partir dos relatos dos colaboradores, e tomaremos todas as medidas cabíveis que nos competem, pois sabemos e cumprimos à risca todas as nossas responsabilidades como Empresa.
Oportuno salientar que não aceitamos qualquer tipo de trabalho ilegal, o qual não acata o preceito central da Constituição Federal, qual seja, a Dignidade da Pessoa Humana.
Esclarecemos, também, que já enviamos todos os documentos solicitados pelos Ministérios Público do Trabalho e do Trabalho e Emprego, com quem mantemos aberto canal de conversação, assim como outras instituições que quiseram comprovar que não há irregularidades na nossa Empresa, e continuamos sempre abertos para ajudar a sanar qualquer dúvida que eventualmente apareça.
Reafirmamos o nosso compromisso em esclarecer os fatos, e agradecemos aquelas instituições que, antes de qualquer divulgação, se disponibilizaram a nos ouvir, assegurando, desta forma, a garantia constitucional do contraditório e a ampla defesa.
Estamos sempre à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.
Fênix Serviços de Apoio Administrativos
*No CNPJ da empresa, consta que o nome completo é Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda
Fonte: GZH