Somente após a instauração da relação jurídica processual é que a vítima, na condição de assistente, poderá fazer valer seus interesses. O entendimento é da 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao negar pedido de uma empresa, vítima de furto qualificado, para ter acesso aos extratos bancários da investigada.

Segundo os autos, a investigada trabalhava na empresa e era responsável pelo setor de contas a pagar, compras e atendimento ao cliente. Em março de 2021, a direção da empresa encontrou três boletos que deveriam conter informações de fornecedores, mas estavam com dados da investigada como beneficiária dos pagamentos.

A empresa procurou a polícia, que instaurou um inquérito para apurar os fatos. Foi determinada a quebra do sigilo bancário da investigada e a empresa pediu para ter acesso aos documentos sigilosos. No entanto, o pedido foi negado em primeira e segunda instâncias com o argumento de que não há atuação de assistente de acusação no inquérito policial.

“A suposta vítima do crime de furto não tem direito líquido e certo ao acesso aos extratos das contas bancárias da investigada. A garantia da publicidade assegura a transparência da persecução penal, o que possibilita a fiscalização dos atos estatais pelas partes e pela comunidade. No entanto, a garantia à publicidade dos atos não é absoluta”, disse o relator, desembargador Klaus Marquelli Arroyo.

O magistrado afirmou que, em situações excepcionais, o sigilo se faz necessário para a preservação do resultado das investigações e para a proteção da vida privada e da intimidade do investigado. Segundo ele, a quebra do sigilo fiscal e financeiro implica restrição dos direitos fundamentais da privacidade e da intimidade.

“É medida que visa a obtenção de fontes de prova indispensáveis para o esclarecimento de supostos fatos delituosos e para a formação de eventual justa causa para ação penal. A imposição do sigilo guarda uma limitação finalística vinculada à persecução penal. Assim, a superação do sigilo fiscal e financeiro não implica a divulgação ampla dos dados.”

Conforme o relator, somente os sujeitos que exercem funções no curso da fase preliminar de persecução (autoridade policial, representante do Ministério Público e autoridade judiciária) podem ter acesso amplo a todos os elementos informativos. O acesso, prosseguiu, também é resguardado ao investigado em decorrência da garantia da ampla defesa.

“No entanto, esse direito não se estende a terceiros, nem alcança a vítima que não é parte processual no inquérito policial, ainda que interessados nos desdobramentos da investigação”, disse o magistrado, destacando precedentes do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido.

Além disso, Arroyo ressaltou que a figura do assistente de acusação somente se materializa após o oferecimento da denúncia por parte do Ministério Púbico e, nesse cenário, não há figura do assistente de acusação no inquérito policial.

“Somente após a instauração da relação jurídico processual é que a vítima, na condição de assistente, poderá valer seus interesses, por meio de imperativo previsto no Código de Processo Penal. A impetrante, portanto, é sujeito estranho às investigações, não lhe assistindo, na fase do inquérito policial, direito subjetivo de acesso ao conteúdo dos documentos acobertados pelo sigilo”, concluiu. A decisão foi unânime.

Processo 2256678-51.2022.8.26.0000

Fonte: ConJur

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