Em Belo Horizonte/MG, na 14ª Vara Criminal, especializada em violência doméstica, usa uma nova experiência a fim de ajudar vítimas desse crime a vencer a relação de submissão com o ofensor – a Audiência de Fortalecimento. Nela, a mulher é estimulada a romper o silêncio e falar diante de seu ex-companheiro o que sente ou sentiu ao longo dos anos, quando era submetida à violência doméstica. Sentado, diante da vítima, o homem ofensor deve apenas ouvir, respeitosamente.

“A prática permite a inversão dos papéis”, diz o juiz idealizador do projeto, Marcelo Gonçalves de Paula. Segundo ele, no momento dessa audiência, há uma troca de posição. “O ofensor experimenta pela primeira vez a escuta obrigatória e essa mulher, até então oprimida, ganha voz e sai da posição de constrangimento e medo”, explica o magistrado, que aplicou a Audiência de Fortalecimento em 17 casos.

O número pequeno, segundo ele, se deve ao fato de a prática ser recente – tem apenas três meses. No entanto, para Marcelo de Paula, os resultados já são promissores: nenhum dos homens que passaram por ela reincidiram no delito.

Os métodos restaurativos auxiliam a solução de conflitos tendo como foco o atendimento da vítima, a responsabilização do ofensor e o atendimento da família. Há várias práticas sendo testadas no Judiciário brasileiro, como os Círculos Restaurativos (comuns na Justiça Restaurativa), a Constelação Familiar e os chamados grupos reflexivos. As práticas são incentivadas pelo CNJ e a utilização da Justiça Restaurativa em situações de violência doméstica está prevista na Resolução 225/2016.

Marcelo de Paula vê no trabalho da 14ª Vara uma perspectiva de restauração emocional e social dos envolvidos. Além da audiência, vítimas e ofensores podem ser encaminhados a instituições de tratamento, por meio de parcerias. Os homens, em geral, passam pelos chamados grupos reflexivos. Atualmente, 70 homens encaminhados pela vara participam do projeto Dialogar, uma parceria do Sistema Judiciário mineiro com a Polícia Civil daquele estado. Desses, 27 homens cumprem medidas protetivas de monitoramento eletrônico.

Os encontros fazem parte das medidas aplicadas aos homens ofensores, que são obrigados a participar das oito sessões. “Caso faltem”, diz o juiz, “eles podem ser presos. Há um relatório semanal que nos informa sobre a assiduidade deles”. Quando é caso de dependência química, os homens são encaminhados para o Instituto Albam. Já o Centro Risoleta Neves (Cerna) presta atendimento psicológico, social e jurídico às mulheres e transexuais que se identificam com o gênero feminino. O centro também atende meninas e idosas.

O caso de Antônia, de 46 anos de idade, foi um dos que passaram pelas mãos do juiz Marcelo Gonçalves. Foram 21 anos de casamento e inúmeras tentativas de separação até que o divórcio saísse. Ao longo da vida em comum, foram 25 Boletins de Ocorrência (B.O.) e muitas decisões judiciais com determinação de medidas protetivas. Ainda assim, o ex-marido voltava a aparecer nos locais em que ela trabalhava e no mercado onde fazia compras, descumprindo a ordem de não aproximação.

A fixação do ex-marido levou-o a ser enquadrado com uma tornozeleira eletrônica, mas nem assim o comportamento mudou. Não raro, à noite, o dispositivo alertava que o ex-marido estava próximo de sua casa. “Passava a noite aflita, ligando para a polícia”, diz. No dia em que a Audiência de Fortalecimento foi marcada, Antônia estava com medo.

Na audiência, o homem ainda tentou intimidá-la, mas foi calado pelo juiz: apenas ela iria falar. Advogado e ofensor, pela primeira vez em quatro anos, somente escutaram. “No princípio, ele ficou alterado que nem um galo de briga”, compara a professora, sobre o tom alto de voz do ex-marido. Mas, após a intervenção do juiz, “que foi firme, agiu com muita sabedoria e autoridade, eu vi, pela primeira vez, ele ter medo e respeitar alguém”, relembra ela.

Para Antônia, é na Audiência de Fortalecimento que a mulher sente que a Justiça está do seu lado. Sentados frente à frente, Antônia olhou nos olhos do ex-marido e mandou que ele a deixasse em paz. “Falei que ele não era meu dono, que aquilo que ele estava fazendo não era papel de homem, que ele devia respeitar os nossos filhos”, conta Antônia, que ainda se emociona ao relembrar desse dia. “Foi uma coisa de Deus. Tirei um medo que tinha dentro de mim”, diz a mãe de quatro filhos ao relatar que somente agora começa a viver sem a companhia do medo, da depressão e da opressão que a violência doméstica lhe impunha, todo dia.

Com informações de CNJ notícias

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