A ideia de um direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal. Esse foi o entendimento firmado por maioria do Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (11/2). Ficaram parcialmente vencidos os ministros Nunes Marques, Edson Fachin e Gilmar Mendes.

A corte aprovou a seguinte tese com repercussão geral: “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais”.

“Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais — especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral — e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.”

A tese também foi aprovada por maioria. Edson Fachin ficou vencido, e Marco Aurélio, parcialmente vencido.

Ao votar na quinta-feira passada (4/2), Toffoli caracterizou como direito ao esquecimento a “pretensão apta a impedir a divulgação, seja em plataformas tradicionais ou virtual, de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante”.

O relator ressaltou que não há previsão legal do direito ao esquecimento e não se pode restringir a liberdade de expressão e imprensa. Eventuais abusos ou excessos devem ser analisados posteriormente, caso a caso.

Na sessão desta quarta (10/2), mais três ministros entenderam que o direito ao esquecimento é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro. Nesta quinta, os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux seguiram o voto do relator.

Cármen Lúcia afirmou que o esquecimento pode ser uma forma de superação individual de dores maiores. “Mas pode ser politicamente um instrumento de mentiras, falsificação da verdade, invisibilização de pessoas e ocorrências, que poderiam mostrar as feridas e conquistas de um povo.”

“Num país de triste desmemória como o nosso, discutir o direito ao esquecimento como direito fundamental, de alguém poder impor silêncio ou segredo de fato ou ato que pode ser de interesse público, seria um desaforo jurídico para a minha geração. A minha geração lutou pelo direito de lembrar”, apontou Cármen.

Segundo ela, não há como se extrair do sistema jurídico brasileiro um direito ao esquecimento que limite a liberdade de expressão e a memória coletiva. A ministra também opinou que, com base no princípio da solidariedade a gerações futuras, não é possível negar aos mais jovens o direito de conhecer a história do país.

O ministro Ricardo Lewandowski destacou que o direito ao esquecimento jamais foi um instituto jurídico autônomo. A seu ver, trata-se mais de uma aspiração subjetiva de alguém que sente um desconforto na divulgação de fatos pretéritos.

Para o magistrado, o direito ao esquecimento só pode ser apurado caso a caso, em uma ponderação de valores, se prevalece a liberdade de expressão ou a preservação da intimidade.

Já o decano da corte, Marco Aurélio, avaliou que as manifestações do pensamento, da criação e da informação não podem sofrer qualquer restrição.

“O Brasil deve contar com memória. E em fatos positivos e negativos, não apenas o que agrade a sociedade. Não cabe em uma situação como essa simplesmente passar a borracha e partir para um verdadeiro obscurantismo, um retrocesso em termos de ares democráticos.”

O presidente do STF, Luiz Fux, disse que “o direito ao esquecimento não pode reescrever o passado nem obstaculizar a liberdade de expressão e imprensa”.

De acordo com Fux, fatos que tenham interesse público e histórico não podem ter sua divulgação limitada. Como é o caso Aída Cury, um crime que marcou o país e que permite entender a persistente violência contra a mulher.

No entanto, o presidente da corte opinou que fatos privados que não têm interesse público não devem ser divulgados. Por exemplo, se um empresário de sucesso foi morador de rua e usuário de drogas, seu passado não precisa ser noticiado, até porque poderia prejudicá-lo no meio corporativo.

Divergência parcial

O ministro Gilmar Mendes divergiu parcialmente do relator e seguiu o voto de Nunes Marques. Conforme o magistrado, deve ser permitida a divulgação jornalística ou acadêmica de fatos e, inclusive de dados pessoais, desde que haja interesse público ou histórico.

Se os dados pessoais não forem essenciais para o estudo ou notícia ou se houver abusos, cabe direito de resposta e indenização dos autores, como no caso de biografias não autorizada, declarou Gilmar.

Na análise do ministro, a reconstituição da morte de Aída Cury no programa televisivo “Linha Direta”, da TV Globo, foi humilhante para a família da vítima, uma vez que afirmou que a jovem foi ingênua nos fatos que culminaram em seu homicídio.

Dessa maneira, Gilmar votou pela devolução do processo para a primeira instância, para avaliar indenização por danos morais à família.

Caso concreto

O recurso chegou ao Supremo ajuizado pelos irmãos de Aída Curi, vítima de um crime de grande repercussão praticado nos anos 1950 no Rio de Janeiro. Eles buscam reparação da TV Globo pela reconstituição do caso no programa televisivo “Linha Direta” sem a autorização da família. O programa foi exibido em 2004.

Os irmãos de Aída questionam a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que entendeu que a Constituição garante a livre expressão de comunicação, independentemente de censura ou licença. 

Os desembargadores definiram que a obrigação de indenizar ocorre apenas quando o uso da imagem ou de informações atingirem a honra da pessoa retratada e tiverem fins comerciais. Ainda segundo o TJ-RJ, a Globo cumpriu sua função social de informar, alertar e abrir o debate sobre o caso.

No Supremo, os ministros reconheceram a repercussão geral da matéria em junho de 2017. A maioria dos ministrou votou para negar o recurso e a reparação pedida. “Casos como o de Aída Curi, Ângela Diniz, Daniella Perez, Sandra Gomide, Eloá Pimentel, Marielle Franco e, mais recentemente, da juíza Viviane Vieira, entre tantos outros, não podem e não devem ser esquecidos”, afirmou o relator, Dias Toffoli.

Fachin reconheceu a existência, em abstrato, do direito ao esquecimento, mas entendeu que ele não se aplica ao caso concreto. Nunes Marques e Gilmar Mendes avaliaram que o direito ao esquecimento é incompatível com o Direito brasileiro. Contudo, opinaram que a TV Globo deve indenizar a família de Aída Cury por noticiar de forma vexatória a morte da jovem.

O ministro Luís Roberto Barroso declarou suspeição e não participou do julgamento. 

FONTE: Conjur

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