O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, afirmou no plenário do Conselho Nacional de Justiça, em sessão de 20 de fevereiro sobre uma representação contra a juíza Gabriela Hardt, ex-substituta de Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato, que “estão se vingando dessa moça”.

O corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, com quem Barroso teve um embate naquele dia, decidiu na segunda-feira, 15 de abril, no âmbito da correição extraordinária que instalou na 13ª Vara e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, determinar o afastamento cautelar de Gabriela, outro juiz e mais dois desembargadores do TRF-4 de suas funções, embora ele não tenha competência constitucional para punir, só para apurar.
O tribunal de segunda instância costumava manter decisões da primeira, e eventualmente até aumentar as penas impostas, como fez, por unanimidade, nas condenações de Lula nos casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia.As acusações vazadas nesta terça, 16, atingiram também Moro e o ex-procurador e deputado federal cassado Deltan Dallagnol, como se verá no final desta análise.PetrobrasO CNJ, órgão também presidido por Barroso, deliberava em fevereiro sobre a reclamação feita pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e outros petistas, acerca da decisão da então juíza substituta de primeira instância de homologar um acordo firmado entre a Petrobras e o Ministério Público Federal. O Conselho já tinha 8 votos proferidos no plenário virtual pelo arquivamento, feito inicialmente em 2019 pelo então corregedor Humberto Martins, que não havia identificado irregularidades na conduta de Gabriela.Mas Salomão, aliado que Alexandre de Moraes queria emplacar no STF por indicação de Lula, buscava impedir no plenário físico esse arquivamento, citando uma decisão monocrática do próprio Moraes, tomada no âmbito de uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), na qual o ministro do Supremo considerou inconstitucional o acordo anterior à decisão da juíza e atacou o MPF, não Gabriela, pela proposta de criação de fundo privado para gerir recursos de multas.“Foi na correição que se cruzaram elementos. Eu verifiquei, na Vara, uma situação caótica de gestão de recursos”, disse Salomão no plenário do CNJ, usando a mesma expressão genérica de seu relatório preliminar, vazado à imprensa amiga. “É preciso saber quem gerou essa situação. E isso não tem nada a ver com combate à corrupção. Cada um faz o seu papel, o meu é verificar se os juízes agiram adequadamente. E a primeira impressão que eu tive foi que a gestão era caótica. E que tem 700 milhões [de dólares]que se queiram destinar a uma fundação privada.”“Corrupção”Ele concluiu sua manifestação com uma acusação genérica ainda mais grave, que já indicava sua intenção de atribuir à juíza o crime de corrupção privilegiada ou passiva (como faria em abril, mesmo que elencando ambos como “possíveis desdobramentos criminais interdependentes” do tipo penal “peculato-desvio”, cometido “em tese”):“Não parece razoável que, a pretexto de se combater corrupção, se pratique corrupção.”O corregedor havia entrado com questão de ordem para anular os 8 votos anteriores, alegando que os conselheiros não estavam cientes do conteúdo da decisão de Moraes, o que Barroso desmentiu logo em seguida, expondo a cronologia dos fatos.Bola no chãoO presidente do STF e do CNJ então colocou a bola no chão: enfatizou a natureza dos acordos celebrados nos Estados Unidos e no Brasil, apontou suas finalidades, confrontou ilações sobre a questão da fundação privada e explicou o ponto de imbróglio jurídico, frisando que a decisão tomada no STF contra a parte brasileira foi individual.“Houve dois acordos: um internacional, depois um doméstico, de destinação do dinheiro. No conjunto, acordos celebrados entre o MP, a Petrobras, o Departamento de Defesa dos EUA e a Securities and Exchange Comission [SEC] nos EUA, pelo qual a Petrobras deveria pagar, nos EUA, uma multa e uma indenização no valor de 853 milhões e 200 mil dólares. Esse foi o conjunto de fatos. Esse foi o acordo. Ficou ajustado que 80% desse valor, em lugar de ser efetivamente pago ao Departamento de Defesa e à SEC nos EUA, seria investido no brasil. Portanto, em vez de esse dinheiro ir para fora do Brasil, convencionou-se que 80% viria para o Brasil.Esses 682 milhões 560 mil dólares que vieram para o Brasil em vez de ficarem nos EUA foram divididos em duas partes: metade ficaria numa conta judicial para pagamento de multas e indenizações e a outra metade seria destinada à finalidade de utilidade pública. Para essa destinação de finalidade pública, foi criada uma fundação que destinaria esse dinheiro, de acordo com a previsão expressa, para promoção de direitos que são afetados pela corrupção, como o direito à saúde, à educação, ao meio ambiente, à proteção daqueles em situação de vulnerabilidade social e à segurança. Portanto, em nenhum momento se imputou a destinação desse recurso para interesse privado de quem quer que fosse, nem desvio de dinheiro para quem quer que fosse. A imputação aqui e a discussão que depois foi reconhecida na ADPF é a existência de impropriedade na criação de uma fundação privada para atender a esses interesses públicos. Portanto, a anulação se deu essencialmente pela compreensão de que esse dinheiro deveria ter entrado no Tesouro, e não numa fundação privada, com conta na Caixa Econômica Federal, cujo dinheiro jamais foi movimentado. Portanto, é desse acordo e desse contexto fático que estamos falando. O STF entendeu, em decisão monocrática, que a criação de uma fundação privada para gerir dinheiros para uma finalidade pública não deveria ter entrado na conta de uma fundação privada na CEF e, sim, no Tesouro Nacional. Esse acordo foi apresentado pelo MPF junto à Petrobras, com o acordão-mãe celebrado no Departamento de Defesa e na SEC (dos EUA), para homologação da juíza da 13ª Vara Federal, uma juíza substituta.”“Não estão relacionadas com essa moça“Barroso apontou o que ele considera “coisas que aconteceram erradas” no âmbito da Lava Jato, “mas que não estão relacionadas com essa moça, com essa juíza, que é a requerida nessa revisão criminal”.“Quais são as imputações que foram feitas a essa senhora? A primeira, a de incompetência: uma juíza com competência criminal não poderia ter homologado um acordo de natureza cível. É essa a imputação! A segunda: o acordo seria inconstitucional. Essas são as duas imputações envolvidas nessa revisão criminal. Não tem outra!Como se deu o andamento desse processo?A Corregedoria do TRF-4, diante da representação quando lá chegou, considerou se tratar de ato jurisdicional a homologação de um acordo celebrado pelo Ministério Público Federal. Não é nem uma parte privada, é o MPF, com a presunção de legitimidade dos atos do MPF! E, portanto, ela homologa um acordo trazido pelo MPF. E, portanto, mesmo que tivesse errado o acordo, o TRF-4 considerou acertadamente que esse era um ato jurisdicional e, portanto, fora da esfera de competência do CNJ de puni-la por um ato jurisdicional. No dia que esse Conselho passar a punir juiz por ato jurisdicional, nós vamos criar uma magistratura intimidada, amedrontada, sem coragem de enfrentar a corrupção e o poder, inclusive o poder político!Dessa decisão de arquivamento, foi interposta esta revisão disciplinar para este Conselho. E o corregedor-nacional de Justiça na ocasião, ministro do STJ Humberto Martins, arquivou sumária e monocraticamente a revisão pela razão óbvia de que se tratava de um ato jurisdicional. Dessa decisão, os autores recorreram. Foi para a corregedora que já havia substituído Humberto Martins, a eminente Maria Thereza Assis Moura, duríssima em matéria penal! Sua Excelência examinou a matéria, levou o recurso para o plenário virtual e votou pelo arquivamento, pela manutenção da decisão de arquivamento! Fez isso na sessão de 22 de outubro de 2021 e a cronologia aqui não é desimportante. (…) Foi acompanhada por 7 outros conselheiros (…)”.Manobras processuaisBarroso, então, passou a criticar as manobras processuais para atrasar o julgamento.“Depois do oitavo voto, o eminente conselheiro Luiz Fernando Bandeira pediu vista, suspendendo o julgamento e devolveu os autos no prazo regimental.Em 20 de dezembro de 2021, um conselheiro que já não integra esse Conselho pediu destaque para transferir do plenário virtual para o plenário presencial. Esse foi o primeiro momento de adiamento desse caso. Em seguida, veio o recesso. Sua Excelência teve todo o recesso para preparar o seu voto. Dois meses depois, ele não havia conseguido preparar o voto e pediu vista do processo do qual havia pedido destaque. Não é comum. Um mês e meio depois, em 25 de março de 2022, o mesmo conselheiro, sem ter devolvido a vista, pediu prorrogação da vista. Cerca de dois meses depois, o mesmo conselheiro que estava com a vista desde o ano passado [o ano anterior, na verdade: 2021]pediu destaque – não votou – para que o processo voltasse ao plenário. Isso em 13 de maio de 2022 e, portanto, já se passaram três meses com esse processo cozinhando. Cerca de um ano e meio depois, em 21 de setembro de 2023, um conselheiro deixou o tribunal sem apresentar voto, de modo que esse processo ficou retido e paralisado para julgamento quando já estava 8 votos a zero. Uma evidente manipulação do Conselho e da jurisdição para impedir a conclusão do julgamento. Eu estou narrando fatos objetivos. Não vou adjetivar. Mas cada um fará a interpretação que lhe parece melhor. Mas claramente algo incomum aconteceu aqui. Esses são os fatos e o andamento processual.”RelaçõesO conselheiro que deixou o CNJ em 21 de setembro de 2023, segundo o site do Conselho, foi Mário Henrique Aguiar Goulart Riberio Nunes Maia.O advogado é filho de um ministro do STJ conhecido pela posição firme, sempre em defesa dos políticos, Napoleão Nunes Maia, que orbita na esfera de influência do alagoano Renan Calheiros (MDB-AL) e que chegou ao tribunal com apoio do conterrâneo Cesar Asfor Rocha, ambos alvos da Lava Jato. O sobrinho de Napoleão, juiz Luciano Nunes Maia Freire, já havia sido reconduzido pelo pleno do STJ, em maio de 2019, ao cargo de conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).A indicação de Mário Henrique foi aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados em 15 de dezembro de 2020. Ele tinha 44 anos, mas só havia obtido seu registro junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 2019, o que gerou questionamentos sobre sua notória inexperiência.Um apoio decisivo foi do líder do Centrão e atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), também alvo de Lava Jato, para quem Mário Henrique “traz na sua bagagem condições e pré-requisitos absolutamente necessários e indispensáveis para ser o representante da Câmara dos Deputados no CNJ”.Eu, Felipe, também estou narrando fatos objetivos. Não vou adjetivar. Mas cada um fará a interpretação que lhe parece melhor…“Não foi a juíza que criou”Barroso ainda reforçou que “não foi a juíza que criou” a fundação privada, fruto de uma “questionável ideia, no mínimo, para não dizer infeliz” do MPF. “E quem ler o voto do ministro Alexandre de Moraes, na verdade a decisão monocrática, [verá que] a crítica dele, dura e severa, é dirigida ao MPF. Da juíza, ela só diz que era incompetente. E diz que o acordo era inconstitucional. Ou seja: as duas imputações que constam desse processo.”Ao contestar a questão de ordem, Barroso ainda mostrou que, “pelo regimento interno do CNJ, vigente quando houve o pedido de destaque, esses votos [os 8 já proferidos]valem, mesmo que os conselheiros já tenham se retirado do Conselho”.Depois, voltou ao ponto central da discussão.“Nós estamos aqui diante de uma questão de Direito: juiz incompetente, se homologar um acordo, comete uma infração disciplinar? E a segunda: se o acordo for [considerado]inconstitucional [por ministro de tribunal superior], existe infração disciplinar? A resposta me parece desenganadamente negativa, com todas as vênias.Sim, prezados colegas, não consigo vislumbrar nenhum fundamento legítimo para anulação. É gravíssima. Então, depois que iniciou o julgamento com 8 votos, se mudar o corregedor e ele tem uma posição diferente, anula-se o julgamento anterior?Por mais respeitável que seja a posição do corregedor, qual é o fundamento em processo civil – um ponto zero – para anular um julgamento: error in procedendo [erro de procedimento]. As imputações aqui são evidentemente de error in judicando [erro de julgamento]. Ato jurisdicional puro de homologação(!) de uma sentença, sem nenhuma imputação de vantagem indevida. Uma juíza substituta homologando um acordo num momento em que a Lava Jato desfrutava de grande credibilidade.

Fonte: o Antagonista e Amo Direito

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