O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, nesta quarta-feira (9/3), o prazo de inelegibilidade a candidatos condenados pela Justiça a partir da condenação até 8 após o cumprimento da pena, conforme determina a Lei da Ficha Limpa. A maioria dos ministros acompanhou a divergência do ministro Alexandre de Moraes, que entendeu que o tema já foi julgado pelo Supremo quando a Lei da Ficha Limpa foi analisada em sua totalidade, em 2012 e, portanto, não haveria motivo para a Corte se debruçar novamente sobre a questão.
A discussão ocorre na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.630 e o debate se deu sobre a expressão “após o cumprimento da pena” constante da parte final da redação da alínea ‘e’, inciso I, artigo 1º, da Lei Complementar (LC) 64/1990, com a redação dada pela Lei da Ficha Limpa.
O trecho questionado torna inelegível quem for condenado, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena.
A partir do dispositivo da Ficha Limpa, a Justiça Eleitoral interpreta a norma com os seguintes marcos temporais: da condenação colegiada ao trânsito em julgado, ou seja, o candidato fica inelegível pelo tempo que recorrer. Depois, soma-se o cumprimento da pena, em que o candidato fica com os direitos políticos suspensos, isto é, não pode votar nem ser votado. Por fim, após o cumprimento da pena, o candidato fica mais 8 anos inelegível.
A ação foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), que questiona a contagem do prazo previsto na Lei da Ficha Limpa. Para a agremiação, a inelegibilidade, na prática, fica muito maior do que os oito anos previstos em lei. Para o partido, devem ser descontados da inelegibilidade o prazo que o candidato recorre após a decisão colegiada e o cumprimento da pena. Por exemplo, se o candidato recorre por 10 anos e é condenado a 5 anos, ele fica inelegível por 23 anos, quando se somam os 8 da lei eleitoral.
No entanto, os ministros nem chegaram a discutir o mérito da questão porque a maioria acompanhou a posição de Alexandre de Moraes pelo não-conhecimento da ação. Moraes entendeu que o tema foi debatido nas ADCs 29 e 30 e na ADI 4.578, julgadas em 2012, e que não caberia ao Supremo julgar a questão novamente, como uma espécie de ação rescisória. Para Moraes, a ideia da Ficha Limpa foi “expurgar da política criminosos graves”.
O ministro Luiz Fux endossou a tese de Moraes e afirmou que se o caso fosse julgado novamente, poderia gerar insegurança jurídica e abrir um precedente para outras situações. Assim, acompanharam Moraes os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Rosa Weber. Em seu voto, Cármen Lúcia ainda destacou que não via novidade nem nos fatos nem no direito que justificassem a rediscussão da matéria.
O relator, ministro Nunes Marques saiu derrotado, ele considerava os oito anos de inelegibilidade começam a ser contados após a condenação em segunda instância, o que, na prática, diminui o prazo para que um candidato não possa participar de uma eleição devido a uma condenação. No texto da lei, com o uso da expressão “posteriores ao cumprimento da pena”, a inelegibilidade tem início na condenação e acaba oito anos depois do cumprimento da pena, isto é, por um prazo maior.
Na visão de Marques, da forma como o dispositivo está escrito na Lei da Ficha Limpa há uma espécie de inelegibilidade indeterminada, o que contraria o princípio da proporcionalidade e compromete o devido processo legal.
No voto, Nunes Marques modulou a decisão para que ela seja aplicável apenas aos pedidos de registro de candidatura posteriores à liminar concedida em dezembro de 2020 e aos processos de registro de candidatura das eleições de 2020 ainda pendentes de apreciação, na data do deferimento da liminar, em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito do TSE e do STF.
No entanto, como a ação não foi conhecida, os detalhes do voto de Nunes Marques não foram apreciados pelo plenário. Além do relator, votaram pelo conhecimento da ação os ministros Luís Roberto Barroso, André Mendonça e Gilmar Mendes.
O ministro Luís Roberto Barroso também entendeu que a inelegibilidade não pode ser tão longa. Porém, ele tem uma interpretação mais restritiva do que o relator. Para ele, o prazo que o candidato recorre após a decisão colegiada pode ser descontada, mas o prazo de cumprimento da pena, não. Porém, sem a admissibilidade da ação, não houve discussão sobre a questão.
Desde dezembro de 2020, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, determinou o sobrestamento de todos os pedidos sobre Ficha Limpa baseados na liminar até uma decisão do colegiado do STF.
Reações ao julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa
Movimentos anticorrupção comemoraram o resultado do julgamento. Segundo o presidente do Instituto Nāo Aceito Corrupção, o procurador de justiça do Ministério Público de São Paulo, Roberto Livianu, “a importante decisão do STF preserva a segurança jurídica e protege o patrimônio público, ao preservar a Lei da Ficha Limpa. Momento histórico do Poder Judiciário brasileiro escorado em voto divergente, profundo e corajoso do Ministro Alexandre de Moraes”.
A advogada do PDT, Ezikelly Barros, lamentou a falta da análise do mérito e explicou que “a despeito do não conhecimento da ADI 6.630, por apertada maioria, é importante ressaltar que a Suprema Corte não fechou as portas para a análise das desproporcionalidades causadas pela atual redação da norma impugnada, apontadas nesta ação direta, quando da análise dos casos concretos”.
Volgane Carvalho, secretário-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), entendeu que o tribunal buscou um caminho para não enfrentar o mérito da ação. “Contudo, é importante notar que alguns ministros reconheceram a possibilidade de que os casos concretos possam ser enfrentados individualmente, quando evidente a presença de desproporções que ultrapassem o desejo expresso na norma”, afirmou. “Perdeu-se uma oportunidade importante de ajustar um excesso da Lei da Ficha Limpa, tarefa que deverá ser assumida pelo Congresso Nacional na elaboração do novo Código Eleitoral”, complementou.
Para o advogado eleitoral Alberto Rollo, o Supremo perdeu a oportunidade de corrigir uma distorção na aplicação da Lei da Ficha Limpa, porque, na prática, o prazo de inelegibilidade fica maior. “A gente vê um discurso político do ministro Alexandre de Moraes que o julgamento poderia passar a mão na cabeça de corrupto, mas eu não acho que é bem por aí. O momento era para discutir a distorção existente porque nos vários exemplos que existem, a pessoa acaba cumprindo mais do que 8 anos, então, na prática, a lei não está sendo cumprida porque a punição está sendo maior”, afirmou. “Cabe ao Congresso aumentar de 8 para 12, 28 anos, de inelegibilidade. Mas se a lei fala 8, tem que ser 8, não 11”, complementou.
FONTE: Jota