Trunfo eleitoral de Sergio Moro na campanha para presidente da República, o trabalho dele como magistrado à frente da Operação Lava Jato vem sendo cada vez mais revisto nas instâncias superiores do Judiciário.
Das 45 sentenças expedidas de 2014 a 2018 por Moro no âmbito da operação, 8 já foram anuladas no STF (Superior Tribunal Federal) ou no STJ (Superior Tribunal de Justiça), a maioria no último ano.
A mais emblemática delas foi a decisão que invalidou condenação do ex-presidente Lula, seu provável adversário na eleição, no chamado caso tríplex de Guarujá (SP).
Além da condenação do petista, outras cinco sentenças assinadas por Moro foram revistas em 2021 nas instâncias superiores.
Em três delas, o motivo para a reviravolta foi o entendimento fixado no STF, em 2019, de que casos de corrupção que envolvem caixa eleitoral devem tramitar na Justiça Eleitoral, e não na Justiça Federal, como acontecia nos primeiros anos da Lava Jato.
Esse precedente levou à anulação, por exemplo, de condenações do ex-ministro Antonio Palocci e do marqueteiro João Santana, expedidas por Moro em 2017, e do pecuarista José Carlos Bumlai, que tinha sido despachada em 2016.
Nenhuma das anulações de 2021 envolveu tecnicamente uma absolvição. Os tribunais entenderam que os casos tramitaram em jurisdição incorreta e decidiram que deveriam voltar a ser analisados no foro adequado. Em tese, o novo juiz pode ainda revalidar medidas expedidas anos atrás na Vara Federal de Curitiba.
Na ação penal do tríplex, no entanto, além da questão da jurisdição, o Supremo também considerou que Moro agiu de modo parcial na condução do processo e determinou inclusive a anulação de ordens despachadas em medidas de investigação, como autorização para quebras de sigilo.
O Ministério Público Federal no DF, que recebeu o caso do apartamento de Guarujá, considera que as acusações contra Lula já prescreveram —portanto, não deve ter mais desdobramentos na Justiça.
Uma das anulações de 2021 reverteu condenação de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados. Assim como aconteceu no julgamento do recurso de Lula, a sessão no STF, em setembro, foi marcada por críticas aos métodos da Lava Jato. O ministro Gilmar Mendes afirmou que havia um “problema psicológico e psiquiátrico” e que o Supremo ficou “submetido à República de Curitiba”.
Antes da atual sequência de anulações, Moro teve duas sentenças invalidadas em 2019, por causa de um outro aspecto que motivou debates no STF.
Naquele ano, a corte entendeu que réus delatores e réus delatados precisam de prazos distintos para apresentar suas manifestações nos processos, diferentemente do que vinha ocorrendo na Lava Jato.
Com isso, foram tornadas sem efeito sentenças expedidas pelo magistrado contra o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine e contra dois ex-executivos da estatal. Nesses dois casos, os processos foram “rejulgados” na própria Vara Federal de Curitiba.
O sucessor de Moro no posto de titular dos casos da operação, Luiz Bonat, após ouvir as partes conforme as determinações do Supremo, também decidiu pela condenação, em 2020.
A sequência de revisão de antigas condenações deve ter mais capítulos neste ano, com a apreciação de novos pedidos das defesas. Em 2019, reportagem da Folha mostrou que quase 30% das sentenças expedidas na Lava Jato no Paraná envolviam caixa eleitoral, fator que tem justificado as reviravoltas.
Ações penais ainda não sentenciadas e inquéritos em tramitação também têm sido retirados de Curitiba com base nesse argumento.
Também assinou sentenças na Lava Jato em Curitiba a juíza Gabriela Hardt, que condenou Lula em 2019 no caso do sítio de Atibaia (SP). Essa condenação também foi anulada no Supremo no ano passado.
Procurado pela Folha para comentar o assunto, o ex-juiz Sergio Moro respondeu: “Em nenhum dos casos, o STF inocentou os acusados dos crimes de corrupção, apenas anulou condenações por motivos formais. A Justiça precisa voltar a funcionar contra pessoas poderosas que cometem crimes”.
Moro se filiou ao partido Podemos em novembro de olho na eleição presidencial deste ano.
ANÁLISES TRAVADAS
Além da anulação de antigas sentenças, o trabalho de Moro na Lava Jato é afetado pela falta de decisão definitiva sobre os processos nas instâncias superiores.
Levantamento da Folha identificou apenas cinco sentenças no STF que já transitaram em julgado (esgotaram todos os recursos) na corte. Das 45 expedidas pelo ex-magistrado, porém, cerca de 10 não foram nem serão enviadas à instância máxima do Judiciário porque envolviam réus delatores (que não têm mais interesse em recorrer) ou porque as partes acabaram não mais contestando os vereditos dados.
Um desses casos envolveu uma absolvição: o ex-deputado pelo PT André Vargas, condenado por Moro a 4,5 anos de prisão, foi absolvido em segunda instância em uma das ações em que era réu.
Há ao menos outros oito recursos com análise pendente no Supremo atualmente, e nenhum deles teve andamento em 2021. O relator responsável é o ministro Edson Fachin, que hoje tem sido voto vencido na Segunda Turma da corte, grupo de cinco ministros que despacha casos da operação.
O trio formado por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Kassio Nunes Marques costuma votar contra as teses da acusação na Lava Jato. O cenário só deve mudar em 2023, com a aposentadoria de Lewandowski.
A falta de decisões definitivas faz com que os réus não comecem a cumprir as punições decretadas na primeira instância. Conforme entendimento fixado pelo Supremo em 2019, a prisão de condenados só deve ocorrer quando não houver mais recursos pendentes no Judiciário.
No STJ, há ao menos outros 13 recursos contra sentenças de Sergio Moro sendo apreciados.
No ano passado, o relator dos casos no tribunal, Felix Fischer, de histórico de votos favoráveis à Lava Jato, pediu licença por motivos de saúde. Assumiu o posto de maneira temporária o desembargador Jesuíno Rissato, convocado do Tribunal de Justiça do DF. Ele foi o responsável pela anulação da sentença de Palocci, em dezembro.
O volume de questionamentos apresentados pelas defesas em casos da Lava Jato despertou reprimendas em despachos na corte. O ministro Jorge Mussi afirmou que um dos advogados agia violando a lealdade processual, apenas para protelar a decisão final, “em desrespeito ao Poder Judiciário”.
Ex-dirigentes de empreiteiras, como Engevix e Mendes Júnior, e políticos, como José Dirceu e Sérgio Cabral, estão com casos nessa fila de julgamentos.
FONTE: Folha