O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quinta-feira (14), por 7 votos a 3, a lei que permitia a produção, comercialização e consumo de quatro medicamentos para emagrecimento: sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol.

O julgamento do caso começou nesta quarta. O relator, ministro Nunes Marques, votou a favor da validade do texto. Durante a sessão, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso também votaram a favor, e Edson Fachin, contra.

A análise do tema foi retomada nesta quinta, com os votos dos demais ministros (leia detalhes mais abaixo). Para a maioria do STF, cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tomar uma decisão sobre o assunto. Os ministros também citaram que outros países proíbem as substâncias, por potenciais danos à saúde.

A lei foi sancionada em 2017 pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na condição de presidente da República em exercício. Pela lei aprovada pelo Congresso, os medicamentos podem ser vendidos mediante receita médica específica.

Em nota (veja íntegra no fim deste texto), a Anvisa afirmou que a decisão “é um reconhecimento da competência técnica e legal da Anvisa sobre a avaliação da relação de risco-benefício de medicamentos utilizados no Brasil”.

“A Anvisa mantém a posição de que os riscos do uso dos três medicamentos superam significativamente os seus benefícios. Dessa forma, deverá dar encaminhamento para retomar a vedação sobre o uso e comercialização destas substâncias no país”, diz a agência.

O que são os medicamentos?

Criada inicialmente como antidepressivo, a sibutramina age no sistema nervoso central, especialmente sobre dois neurotransmissores, a serotonina e a noradrenalina. Ela provoca no paciente a sensação de saciedade. De acordo com especialistas ouvidos, a sibutramina é o único medicamento disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para tratar a obesidade.

A anfepramona, o femproporex e o mazindol são drogas anfetamínicas, produtos sintéticos que estimulam a atividade do sistema nervoso central e, por isso, afetam o comportamento do paciente de diferentes maneiras. São da classe dos “anorexígenos”, que reúne os medicamentos criados para induzir a anorexia: aversão ao alimento ou a falta de apetite. Eles atuam no sistema nervoso central para gerar aversão a comida e inibir o apetite.

Ao contrário da sibutramina, essas três drogas anfetamínicas já não eram prescritas de modo amplo desde que foram vetadas em 2011 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). À época, a agência liberou a sibutramina, mas limitou seu uso a no máximo dois anos.

Nos dois casos, os especialistas apontam que as drogas trazem riscos a pessoas com predisposições a doenças cardíacas e psiquiátricas, e seus benefícios contra a obesidade são limitados. Pelos mesmos motivos, as substâncias também foram proibidas nos Estados Unidos e na Europa, com exceção da anfepramona, comercializada no mercado americano.

Voto do relator

Ao votar no julgamento, Nunes Marques afirmou que o Congresso respeitou a Constituição e agiu em nome das pessoas com obesidade. O ministro do STF comparou a obesidade a uma “pandemia contínua”.

“Parece-me que o Congresso agiu em estrita obediência constitucional, em nome de pessoas que passam por uma pandemia contínua em suas vidas, que é a obesidade”, argumentou o relator.

Segundo Nunes Marques, a lei é válida, mas deve ser garantido Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o direito de rever as diretrizes quando entender necessário e até retirar os remédios do mercado.

Conforme o ministro, a obesidade é “cientificamente comprovada como um grande problema de saúde pública”. “São 529 comorbidades associadas à obesidade”, acrescentou.

“Por outro lado, no atual momento, nessa atual conjuntura, a população pobre não tem opção farmacológica para combate à obesidade”, completou.

Votos desta quinta

Saiba como os ministros votaram nesse julgamento:

Alexandre de Moraes: acompanhou o relator. “A eliminação de medicamentos contra a obesidade prejudica o acesso, leva, como ocorreu no Brasil quando foi proibido, a um aumento geométrico de operações bariátricas, colocando em risco à saúde.”

Edson Fachin: divergiu do relator entendendo que a lei é inconstitucional. “Submeter essa regra à Anvisa é a regra. Não se pode legislar sobre a exceção”, defendeu. “A decisão tomada pela Anvisa tem por finalidade garantir segurança do produto destinado à saúde humana.”

Luís Roberto Barroso: acompanhou o relator. “É uma matéria sobre qual a lei pode dispor. Saber se a lei é válida ou não depende de um consenso médico. A lei 13.454 é compatível com a Constituição, não havendo dispensa de registro perante a Anvisa”, afirmou.

Cármen Lúcia: divergiu do relator. “Estamos numa área que torna mais rígida a garantia do direito à saúde. Na verdade, eu acho que o grande problema dos pobres é a fome.”

Dias Toffoli: divergiu do relator. Não leu o voto.

Ricardo Lewandowski: divergiu do relator. “O Congresso não pode autorizar a distribuição de drogas. Toda vez que o Congresso se lança a criar leis com conteúdo de material estão de alguma forma dando feição a um determinado privilégio.”

Rosa Weber: divergiu do relator. “Dotada de inquestionáveis relevância e responsabilidade, a função regulatória [da Anvisa] é dignificada pelo reconhecimento de que não é nem inferior nem superior à legislação.”

Gilmar Mendes (decano): divergiu do relator. “O dispositivo revela-se inconstitucional porque protege insuficientemente o direito à saúde”, afirmou. “As substâncias autorizadas foram proibidas em diversos países.”

Luiz Fux (presidente): divergiu do relator. “Esses medicamentos não têm nenhum efeito positivo, só têm efeitos negativos”, afirmou. “Temos que nos dobrar à ciência e a literatura científica estrangeira veda no mundo inteiro a utilização desses medicamentos.”

A ação em julgamento

A ação foi apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) contra a Lei 13.454/2017. A entidade alega que há efeitos colaterais das substâncias no organismo.

Segundo a CNTS, há risco de que pacientes recorram a esses medicamentos “acreditando nas promessas de resultados que cientificamente não só foram desmentidas, mas podem colocar em grave risco a sua saúde, especialmente dos diabéticos e hipertensos”.

Íntegra

Leia abaixo a íntegra da nota divulgada pela Anvisa nesta quinta:

Em vista da decisão do Supremo Tribunal Federal que, por sete votos a três, declarou, nesta quinta-feira (14/10), a inconstitucionalidade da Lei 13.454/2017, que autoriza a produção, venda e consumo, sob prescrição médica, dos remédios para emagrecer sibutramina, anfepramona, femproporex:

A Anvisa vem manifestar publicamente o alcance e a importância da decisão do STF, que reconheceu a necessidade de atuação do regulador sanitário e ponderou sobre os riscos associados à autorização de produtos sem o devido registro sanitário, valorando o dever das instituições de zelar pela proteção à saúde.

Estes medicamentos haviam sido proibidos pela Anvisa ainda em 2011 diante das evidências científicas disponíveis. Para a Agência, a decisão é um reconhecimento da competência técnica e legal da Anvisa sobre a avaliação da relação de risco-benefício de medicamentos utilizados no Brasil.

A Agência vai tomar conhecimento do inteiro teor da decisão a partir de sua publicação para avaliar a repercussão do resultado do julgamento e verificar a regulamentação vigente e adequações necessárias nas normas.

A Anvisa mantém a posição de que os riscos do uso dos três medicamentos superam significativamente os seus benefícios. Dessa forma, deverá dar encaminhamento para retomar a vedação sobre o uso e comercialização destas substâncias no país.

Até o momento, não há novos dados ou estudos que indiquem uma situação favorável ao uso destes produtos. Desde a proibição pela Anvisa em 2011, nenhum laboratório apresentou estudo clínicos que indicassem alguma relação favorável no uso da anfepramona, femproporex e mazindol.

Entenda

Em 2011 a Anvisa retirou do mercado as substâncias inibidoras de apetite do tipo anfetamínicos – mazindol, femproporex e anfepramona. Para essa decisão foram analisados mais de 170 trabalhos científicos e realizadas discussões técnicas, inclusive com outras agências regulatórias do mundo, que naquele momento haviam concluído análises semelhantes.

Ficou comprovado que a anfepramona, o femproporex e o mazindol não apresentavam eficácia, com resultados absolutamente insatisfatórios no médio e longo prazo, além de trazerem efeitos colaterais que incluem risco de dependência, aumento da hipertensão arterial e problemas psiquiátricos, além de outros danos no cérebro e no sistema cardiovascular.

A sibutramina também foi reavaliada em 2011, mas, neste caso, ficou demonstrado que o seu benefício era maior que o seu risco, desde que utilizada adequadamente e para determinados perfis de pacientes.

Diante disse a Anvisa estabeleceu dose máxima diária, limitação no tempo do tratamento, assinatura de Termo de Responsabilidade pelo médico prescritor e Termo de Ciência do paciente para o uso da substância.

FONTE: G1

Share.

About Author

Comments are closed.