Após três meses da publicação da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia), a Câmara deu seu primeiro passo em um projeto de lei (PL) que cria o Marco Legal da Inteligência Artificial. No início de julho, a Casa aprovou o regime de urgência para votação do PL.

A Ebia foi publicada em abril deste ano pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, e tem como objetivo traçar um plano para o país crescer e se desenvolver na área. O projeto de lei 21/2020, que instaura o marco legal da área, começou a tramitar na Câmara em 2020. O objetivo da peça é determinar os princípios, direitos, deveres e instrumentos de governança para a o desenvolvimento da tecnologia.

Apesar desses avanços, especialistas afirmam que ambas as iniciativas deixam de lado pontos como importantes, como a regulamentação e a disposição orçamentária para colocar projetos em prática, e alertam para a rapidez com que eles vêm avançando.

“A Ebia é um início de conversa, mas é uma estratégia nem um pouco estratégica, é como se fosse uma carta de desejos”, diz. Bianca Kremer, fellow na Coding Rights e líder de pesquisa de big data e segurança pública do CJUS (Centro de Justiça e Sociedade) da FGV-Rio. “Ainda é muito cedo para colocar um marco que ainda teve pouca conversa em regime de urgência”.

A pesquisadora afirma que, comparado com exemplos internacionais como a União Europeia, não há diretrizes orçamentárias claras para colocar em prática projetos de fomento à educação, e falta um diálogo mais forte sobre regulamentação.

“O Brasil está indo na contramão de bons exemplos. Em termos de estratégia, a UE desenvolve uma proposta mais concreta, e traça um orçamento para colocar em prática a IA”, diz. “Nós não demos concretude, não existe um passo a passo para colocar em prática”.

Segundo José Renato Laranjeira, diretor do Lapin (Laboratório de Políticas Públicas e Internet), o debate na União Europeia sobre o tema ocorre há quase três anos, embasado por um grupo de peritos em inteligência artificial. “Foram vários documentos até chegar nesse estágio. O Brasil deveria ter o mesmo tempo de diálogo, não votar com rapidez”, afirma.

A regulamentação da tecnologia na União Europeia foca nos direitos humanos e desenvolve uma classificação de risco que vai de alto a baixo.

Já o projeto brasileiro é classificado por Laranjeira como generalista. Para ele, o marco em seu estado atual gera obrigações tanto para quem opera um spam de email até para quem trabalha com reconhecimento facial. “Deveríamos estar em uma discussão baseada no risco da aplicação da tecnologia, com um debate longo e multisetorial”, diz.

A inteligência artificial hoje serve para resolver tanto para assuntos básicos, como chatbots (robô que conversa com cliente), quanto para mais complexos, como diagnósticos de imagem e reconhecimento facial. Ela também pode ser encontrada em aplicações do cotidiano, como a aprovação de crédito em um banco e o desbloqueio de celular via biometria.

Segundo o Índice de Inteligência Artificial de 2021 da Universidade Stanford, o Brasil é o 31º país a traçar uma estratégia para inteligência artificial.

Juliano Maranhão, professor de Direito da USP e diretor da Associação Internacional de IA e Direito, esperava mais da estratégia brasileira. “Ela faz um apanhado de questões de outros documentos sobre investimento em IA e sobre questões éticas”, afirma. “O ponto bom da estratégia é que, pelo menos, a conversa foi iniciada.”

Entre as críticas de Maranhão está a falta de clareza sobre como o poder público vai financiar projetos e quais os critérios que vão nortear essa atuação. “Como devem atuar as agências de fomento? Como deveria ocorrer a relação entre universidade e o setor privado? Esses são pontos que não são respondidos na proposta”, diz.

Além disso, Maranhão afirma que a estratégia brasileira toca em aspectos éticos de forma superficial, sem ter nenhuma diretriz sobre a regulamentação da tecnologia.

O avanço de parâmetros legais para a tecnologia se torna mais premente conforme o setor avança no Brasil, impulsionado também pelas mudanças sociais provocadas pela pandemia. Esse aquecimento já pode ser observado pelo número de contratações na área.

Segundo o índice de Stanford, o Brasil é o que país que mais contrata profissionais da área, ultrapassando Estados Unidos e China, que despontam no desenvolvimento da tecnologia.

Segundo uma pesquisa da IBM em parceria com a Morning Consult, no Brasil, os chatbots (agentes virtuais para atendimento ao cliente) são os casos de uso mais comuns de tecnologias de processamento de linguagem natural (42%), seguido de automação de call center e análise de pesquisas.

Apesar da alta procura, há uma escassez de profissionais qualificados.

“Um dos problemas que o Brasil enfrenta é uma defasagem de profissionais na área, e o pouco que forma vai para fora do país”, diz Claudio Pinhanez, gerente de pesquisa em inteligência conversacional de IBM Research Brasil. Para reverter esse quadro, ele defende investimentos tanto do setor privado quanto do governo.

“Quando olhamos o Brasil em formação de profissionais, estamos virando um produtor de talentos, e tanto empresas quanto governos têm que desenvolver incentivos para manter essas pessoas no país”, diz.

Evandro Armelin, diretor de Data & Analytics da Everis, afirma que o Brasil está atrás de mercados como China, Europa e EUA quanto ao uso e estudo da tecnologia, mas que vem evoluindo recentemente. “É fácil dizer que passamos o ponto de inflexão, o momento que as grandes empresas perceberam que é um caminho sem volta, que precisa ser implementado”, diz.

Escassez de talentos é uma das principais barreiras da IA no Brasil, mas também é mundial”, afirma. “Além do governo, empresas têm que investir em formação para manter e capacitar melhor o profissional”.

FONTE: Folha SP

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