A juíza Federal substituta Paula Weber Rosito, da 8ª vara de Porto Alegre/RS deferiu liminar para suspender resolução do CFM – Conselho Federal de Medicina que proibia procedimento de interrupção de gravidez que é realizado após 22 semanas, em casos de estupro.
A magistrada atendeu a pedido do MPF, em conjunto com a SBB – Sociedade Brasileira de Bioética e o Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde.
Como se sabe, o aborto é permitido no Brasil em casos de estupro. Mas, para estes casos, a resolução CFM 2.378/24, publicada no último dia 3, proibia a realização da assistolia fetal, procedimento necessário para aborto após as 22 semanas, que consiste numa injeção de produtos químicos que provocam a morte do feto para, depois, ser retirado do útero da mulher.
Os autores ingressaram com a ação questionando a legalidade da resolução que regulamenta o ato médico. Argumentaram que restringe “o direito fundamental de mulheres e meninas vítimas de estupro, cuja gravidez, fruto da violência, compromete sua saúde física e/ou psíquica”, limitando indiretamente o aborto ilegal.
Acrescentaram que tal norma, não possuindo natureza de lei, representa “mais uma barreira à integralidade de cuidados à saúde, dentre tantas outras já existentes”. Dizem, por fim, que excede o poder de regulamentação do CFM, ultrapassando suas atribuições legais, ao restringir o direito ao aborto legal previsto em lei.
O CFM manifestou-se alegando questões processuais (que ACP não seria instrumento legal hábil a questionar a resolução), e que a norma já é objeto de ação no STF. No mérito, argumentou que o CP não autoriza o aborto em si, mas apenas exclui a punibilidade nos casos previstos no art. 128 (salvar a vida da gestante ou gravidez resultante de estupro).
Além disso, a autarquia considera que o regulamento envolve matéria predominantemente ética, e não técnica, e que a assistolia, quando realizada após a 22ª semana de gestação, é “procedimento manifestamente cruel e bárbaro por submeter o humano ali presente a grave sofrimento”.
Decisão
A juíza Paula Rosito explicou que, de fato, a via processual da ação civil pública seria inadequada se o pedido principal fosse a declaração de inconstitucionalidade da norma, em usurpação à competência do STF. Contudo, nesta ação “não se discute a constitucionalidade do ato normativo, mas a sua validade e legalidade”.
A magistrada acrescentou que o ajuizamento da ADPF 1.141 no STF, contra a mesma resolução, não impede o andamento desta ACP, uma vez que “a análise do ato normativo será feita sob o aspecto da constitucionalidade da norma regulamentadora, enquanto o objeto da presente ação se limita à sua validade e legalidade”.
Ao analisar o pedido, a magistrada considerou o princípio constitucional da legalidade para observar que os “atos administrativos não podem restringir direitos previstos na lei de regência, tampouco criar proibição não prevista em lei, sob pena de invasão de competência legislativa e abuso do poder regulamentador”.
Pontuou, também, que a lei atribuiu especificamente ao CFM a edição de normas para definir apenas o caráter experimental de procedimentos em Medicina, autorizando ou vedando sua prática pelos médicos, mas não foi outorgada ao Conselho competência para criar restrição ao aborto em caso de estupro.
“Não havendo lei de natureza civil acerca do aborto, tampouco restrição na lei penal quanto ao tempo de gestação, não pode o CFM criar, por meio de resolução, proibição não prevista em lei, excedendo o seu poder regulamentar.”
A juíza concluiu pela ausência de competência do CFM para criar restrição ao aborto em casos de estupro. Desta forma, foi deferido o pedido liminar para suspender os efeitos da resolução 2378/24, não podendo a mesma ser utilizada para obstar o procedimento de assistolia fetal em gestantes com idade gestacional acima de 22 semanas, nos casos de estupro, mediante o consentimento seu ou, quando incapaz, de seu representante legal; tampouco para punição disciplinar dos médicos que o realizarem, até ulterior deliberação.
A decisão tem abrangência nacional. O relator da ADPF 1.134, ministro Dias Toffoli, foi oficiado da decisão.
Processo: 5015960-59.2024.4.04.7100
Fonte: Migalhas