A presidente do STF, ministra Rosa Weber, votou pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. O caso estava sendo julgado em plenário virtual, mas foi interrompido logo após o voto da ministra por um pedido de destaque de Luís Roberto Barroso.

Agora, o julgamento será retomado em plenário físico, em data ainda não marcada.

A análise do caso no Supremo é motivada por uma ação protocolada pelo Psol, em 2017. O partido defende que interrupção da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime. A legenda alega que a criminalização afeta a dignidade da pessoa humana e afeta principalmente mulheres negras e pobres.

Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro, risco à vida da gestante ou fetos anencéfalos.

Mulheres silenciadas

Em extenso voto de 103 páginas, Rosa Weber votou para descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gravidez, já que, em sua avaliação, a criminalização do ato não se mostra como política estatal adequada para dirimir os problemas que envolvem o aborto, como apontam as estatísticas e corroboraram os aportes informacionais produzidos na audiência pública realizada pelo STF em 2018.

Segundo a presidente da Corte, a questão da criminalização da decisão, portanto, da liberdade e da autonomia da mulher, em sua mais ampla expressão, pela interrupção da gravidez perdura por mais de 70 anos em nosso país.

“À época, enquanto titular da sujeição da incidência da tutela penal, a face coercitiva e interventiva mais extrema do Estado, nós mulheres não tivemos como expressar nossa voz na arena democrática. Fomos silenciadas! Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, mais que isso, que fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade e sua conciliação com todos as outras dimensões do projeto de vida digna.”

Ainda, Rosa Weber destacou que o aborto inseguro consta como uma das principais causas de impacto no delineamento sanitário do quadro da mortalidade materna.

“Como justificar a política criminal do Estado em torno ao aborto? Qual a sanção a ser imposta à mulher que toma decisão, em seu foro íntimo, que ocasiona violência consigo mesma? Como pensar a função de reeducação e ressocialização da mulher nesse caso? A mulher não se trata de pessoa a ser reintegrada socialmente, são mulheres que trabalham, que não raro já têm famílias e sustentam seus outros filhos.”

De acordo com a ministra, as mulheres que em algum momento da sua vida reprodutiva decidem pela interrupção voluntária da gravidez são as mesmas que convivem com todos nós no cotidiano da vida.

“Ou seja, estão presentes nos contextos sociais de suficiência econômica, onde têm acesso ao aborto seguro, bem como naqueles de baixa ou hipossuficiência econômica, onde acessam o aborto clandestino e inseguro, da perspectiva sanitária, e ainda com a resposta mais extrema do Estado, a coerção penal.”

S. Exa., que se aposenta na próxima semana, ainda citou o machismo existente em torno do assunto.

“A criminalização perpetua o quadro de discriminação com base no gênero, porque ninguém supõe, ainda que em última lente, que o homem de alguma forma seja reprovado pela sua conduta de liberdade sexual, afinal a questão reprodutiva não lhe pertence de forma direta. Tanto que pouco – ou nada – se fala na responsabilidade masculina na abordagem do tema. E mesmo nas situações de aborto legal as mulheres sofrem discriminações e juízos de reprovação moral tanto do corpo social quanto sanitário de sua comunidade.”

Também, a ministra cita pesquisas indicando que as mulheres negras e de classe social mais baixa são as maiores afetadas pelos abortos ilegais.

“Ainda, cumpre assinalar que abortos inseguros e o risco aumentado da taxa de mortalidade revelam o impacto desproporcional da regra da criminalização da interrupção voluntária da gravidez não apenas em razão do sexo, do gênero, mas igualmente, e com mais densidade, nas razões de raça e condições socioeconômicas. O argumento da interseccionalidade assume ponto de relevância no discurso jurídico sobre a criminalização do aborto, na medida em que descortina todos os véus da discriminação estrutural que assola a sociedade brasileira e suas instituições, públicas e privadas.”

Por fim, destacou o papel do STF como instituição.

“É dever deste Supremo Tribunal Federal, como instituição que tem por função precípua a guarda da Constituição, reconhecer a não recepção dos atos normativos que obstaculizam a operação da democracia e a proteção adequada e suficiente dos seus direitos fundamentais, em particular a tutela adequada do valor intrínseco da vida humana, em toda sua complexidade que assume no ordenamento constitucional.”

Processo: ADPF 442

Fonte: Migalhas

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