Inspirada na regra do full bench, própria do common law americano, surgida a fim de garantir segurança jurídica à medida em que evitaria a propagação de entendimentos diversos sobre um mesmo assunto dentro da própria Corte, inseriu-se na Constituição Federal de 1988 o artigo 97, mandamento que impõe aos tribunais a necessidade de maioria absoluta de votos para que determinada lei ou ato normativo do Poder Público possa ter sua inconstitucionalidade declarada, o que se intitulou como cláusula de reserva de plenário.

Pois que os tribunais do Poder Judiciário são formados por Órgãos Fracionários, tornando-se assim possível que referidos órgãos possuam entendimentos diversos entre si, a normativa do citado artigo impede que uma delas venha a reconhecer a inconstitucionalidade de lei enquanto outra não, evitando assim dissonâncias que, por consequência, gerariam insegurança jurídica.

Assim sendo, caso haja dúvida manifesta sobre a inconstitucionalidade de norma apreciada pelo órgão, gerando doravante impossibilidade de aplicação do texto em análise, torna-se imperativo que a matéria seja encaminhada ao plenário do Tribunal para que seja apreciado. A partir disso, após manifestação do plenário, que por maioria absoluta de votos decidirá pela inconstitucionalidade ou não do dispositivo posto, retorna o caso concreto ao Órgão Fracionário para a continuação do trâmite do processo, aí então vinculado à decisão do Tribunal.

Questão mais complexa se põe quando deparamo-nos com a necessidade de interpretação de normas de caráter polissêmico, ou seja, dispositivos que carregam consigo mais de um possível significado, cabendo ao julgador manifestar-se sobre aquele que é o mais adequado conforme a Constituição.
Nestes casos, parte da doutrina tem entendido ser imperiosa a observância do conteúdo do artigo 97 da Constituição Federal, impondo assim a necessidade de que o Tribunal se manifeste em plenário, por maioria de votos, sobre qual a interpretação deve ser dada sobre determinada lei que mais se amolde ao texto constitucional.

Com toda vênia, defendo que, ao ser o Tribunal instado a se pronunciar acerca de normas de caráter polissêmico, está-se diante de método hermenêutico de interpretação conforme a Constituição, ocasião em que o Órgão deverá se manifestar sobre qual deve ser a interpretação a ser dada a deliberado dispositivo e que melhor se amolde ao texto maior.

Ocorre que, ao se lançar mão da técnica de interpretação conforme a Constituição, admite-se que o dispositivo, seja lei ou ato normativo diverso, possa ter mais de uma interpretação possível sem, entretanto, cogitar-se a possibilidade de que a norma venha a ser desconforme o texto constitucional.

Com efeito, ressalta-se que nos casos de interpretação conforme não se fala em hipótese de juízo de inconstitucionalidade, ou seja, não se vislumbra eventual vício na norma, meramente a necessidade de que o Judiciário se manifeste sobre a interpretação mais adequada ao texto infraconstitucional.

Dito isso, não há que se falar em reserva de plenário em caso de interpretação conforme a Constituição, vez que não se está diante de possível juízo de inconstitucionalidade, não guardando relação, portanto, com o mandamento incerto no artigo 97 da Lei Maior. Assim sendo, tem competência o Órgão Fracionário do Tribunal para declarar seu entendimento acerca de norma de caráter polissêmico.

É bem verdade, por outro lado, que tornar-se-á possível que eventual norma de caráter polissêmico venha a possuir entendimentos diversos dentro de um mesmo Tribunal, oriundos de Órgãos Fracionários distintos, ainda que referidos entendimentos, diferentes entre si, não sejam inconstitucionais.

Concorda-se, não obstante, que hipotética situação seja causadora de insegurança jurídica, pois que geraria desuniformidade de decisões jurídicas sobre um mesmo tema e originárias de um mesmo Tribunal. Entretanto, pela mera ausência de mandamento legal para incidência da cláusula de reserva de plenário, porquanto não se vislumbre no ordenamento jurídico previsão para tal, não é a maneira adequada a resolver tal celeuma. Mandamental se faz, pois, que medida diversa seja concebida para que se caminhe à urgente necessidade de uniformidade de decisões, pilar fundamental para a segurança jurídica.

Por: Arthur Posser Tonetto

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